quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Educação e produtividade


Será que deficiências na educação são um obstáculo tão severo aos ganhos de produtividade?
O assunto me rondou no último feriadão. No sábado, 16/11, o correspondente do "Estado de S. Paulo" Gustavo Chacra destacou no Twitter que universidades europeias estão sendo chamadas de fábricas de desempregados, o que me fez comentar que ainda há quem acredite que os problemas na educação sejam a causa definitiva do subdesenvolvimento brasileiro. Como não notar que a geração mais bem preparada da história da Espanha está desempregada?
A repercussão foi grande para o padrão de meu Twitter (@mtmiterhof). No dia seguinte, na Folha, o ex-presidente do BC Henrique Meirelles involuntariamente sumarizou os argumentos levantados contra meu comentário.
Seu objetivo era discutir como o Brasil pode elevar a produtividade para superar as restrições ao crescimento. A partir de um estudo do Banco Mundial, sua conclusão é que há uma relação direta do nível de educação com a produtividade e a renda de um país.
A correlação é inequívoca. O problema é que a simples verificação estatística de que duas ou mais variáveis aparecem simultaneamente na realidade é um campo fértil para mal-entendidos acerca da causalidade entre elas.
É difícil negar que a educação influencia a produtividade. Para Meirelles, um nível maior de aprendizado, medido em testes internacionais, é o que efetivamente eleva a produtividade. A cadeia de causalidade se completa com o entendimento de que elevar produtividade é condição para permitir acelerar o crescimento.
De fato, uma boa escola prepara trabalhadores mais capazes para tudo. Cursos técnicos formam mão de obra para setores complexos. Ter universidades de alto nível é crucial para o desenvolvimento tecnológico. Aliás, ter uma boa educação é desejável independentemente de seus efeitos econômicos.
Contudo, será que deficiências na educação são um obstáculo tão severo aos ganhos de produtividade? Afinal, um mexicano, ao cruzar a fronteira para trabalhar numa fábrica nos EUA, tem sua produtividade elevada algumas vezes.
No capitalismo, o principal mecanismo de aumento da produtividade é incorporar novas máquinas e obras civis, como em infraestrutura.
Em geral o progresso técnico ocorre de forma que os novos bens produzidos, de capital ou consumo, possam ser manejados por pessoas comuns. Alguns podem exigir treinamento, mas as empresas costumam ter sucesso nisso. No século 20, numa enorme mudança produtiva estrutural, a instalação da indústria de bens duráveis no Brasil empregou trabalhadores recém-emigrados de áreas rurais.
Hoje, a incorporação de tecnologias de informação e comunicação tem um amplo caminho para aumentar a produtividade da indústria e dos serviços. Por que jovens acostumados a usar tablets e telefones inteligentes não se adaptariam?
A falta de profissionais especializados pode em alguns casos ser restrição relevante, porém isso pode ser em parte contornado pela imigração.
Decisivo para a elevação do investimento e da produtividade é a demanda. Não à toa, apesar de sua volatilidade por natureza maior, desde 2005 o investimento cresceu acima do consumo, fazendo a taxa de investimento subir de um patamar de 16% do PIB para cerca de 19%.
A evolução da produtividade acompanha o crescimento (lei de Kaldor-Verdoorn). No Brasil, isso é ainda mais sensível porque a estrutura produtiva é grande, diversificada e heterogênea. Um crescimento baixo protege as firmas arcaicas. Mas uma demanda crescente é facilmente atendida pela atualização produtiva dessas empresas ou pelo deslocamento de trabalhadores para setores mais modernos.
A cadeia de causalidade se completa porque o crescimento também amplia a disponibilidade de recursos para melhorar os serviços públicos, como a educação.
De qualquer maneira, a relação é complexa. O aumento dos gastos para melhorar os serviços públicos é uma forma de distribuir renda e alavancar o crescimento.
Ademais, a atuação indutora do Estado na formação de empresas industriais bem-sucedidas, como discutido nas colunas anteriores, é chave para que o crescimento não seja limitado pela escassez de divisa externa, caso emblemático da Embraer, que, entre outras coisas, envolve o conhecimento produzido no ITA.
Se não é uma restrição absoluta ao crescimento, como indica a ortodoxia, a longo prazo a educação o influencia. O mais razoável parece ser que ter uma boa educação é mais resultado do que causa do desenvolvimento.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Terceiro Setor: Executivos estudam criar Bolsa para ONGs

Por ANDREW ROSS SORKIN
Depois de sobreviver a um câncer e fundar uma ONG, Lindsay Beck começou a pensar em como o mundo das finanças e Wall Street poderiam revolucionar o acomodado terceiro setor. Ela tentou responder a seguinte pergunta: "Poderia haver uma Nasdaq das organizações sem fins lucrativos?".
A ideia -criando o equivalente a um mercado acionário movido pelo lucro, só que para ONGs- poderia parecer contraintuitiva.
Mas, no último ano, o conceito ganhou tanta força que rendeu a Beck reuniões com executivos do Goldman Sachs, do Deutsche Bank e de membros do governo Obama. Uma equipe de advogados está trabalhando para entender quais são as implicações tributárias e como cumprir as regras da Comissão de Títulos e Câmbio (SEC, na sigla em inglês).
Se der certo, a ideia de Beck tem potencial para virar de ponta-cabeça parte da economia global. De acordo com algumas estimativas, se apenas 1% das carteiras de investimentos de indivíduos ricos nos EUA fosse direcionado para ONGs por meio de instrumentos financeiros, como títulos de impacto social ou a Bolsa de Beck, o mundo das ONGs estaria sentado em cima de US$ 1 trilhão.
Várias ideias estão vingando sobre como empregar uma abordagem com fins lucrativos no mundo das entidades sem objetivo de lucro. Neste mês, o Goldman Sachs anunciou um fundo de impacto social de US$ 250 milhões. O Morgan Stanley planeja arrecadar US$ 10 bilhões nos próximos cinco anos para o que chama de "plataforma de investimento com impacto".
Em setembro, o JPMorgan Chase se uniu à Fundação Bill e Melinda Gates para iniciar um fundo de investimentos de US$ 94 milhões destinado a financiar drogas, vacinas e ferramentas em estágio avançado para o combate a doenças como malária, tuberculose e HIV/Aids.
A ideia de Beck é fruto das suas próprias experiências. Ela foi a criadora de uma ONG, chamada Fertile Hope, que ajudava mulheres sobreviventes de câncer a engravidar.
Mais tarde, começou a examinar maneiras de tornar as ONGs mais eficazes na arrecadação de fundos. Ela diz que há muito tempo acredita que as verbas beneficentes costumam estar deslocadas -que algumas das organizações mais eficientes sofrem para arrecadar fundos, enquanto algumas das menos efetivas recebem milhões.
Isso a fez pensar: uma Bolsa, como um mercado de ações, tornaria mais transparente o sucesso -ou o fracasso- das organizações, levando mais dinheiro às melhores mãos. Além disso, se os doadores pensassem nas suas atividades beneficentes como um investimento, isso transformaria o terceiro setor. "Quando você tira o seu chapéu de benemérito e coloca o chapéu de investidor, você se comporta de uma forma muito diferente", disse ela.
Ela se inspirou parcialmente em programas que o Goldman Sachs desenvolveu para vender os chamados títulos de impacto social. A companhia criou um empréstimo de US$ 9,6 milhões para que a Prefeitura de Nova York administre um programa da MDRC, uma prestadora de serviços sociais, com o objetivo de evitar que ex-detentos da cidade voltem à prisão.
O programa tem objetivos e parâmetros claros. Se a reincidência cair 10%, a prefeitura devolverá integralmente os US$ 9,6 milhões ao Goldman. Se a reincidência cair mais do que isso, o Goldman terá lucro, limitado a US$ 2,1 milhões. No entanto, o Goldman pode perder até US$ 2,4 milhões se a reincidência não cair pelo menos 10%.
O Goldman usa seu próprio dinheiro para financiar programas desse tipo. Mas agora essa e outras empresas estão apresentando maneiras de transformar esses tipos de programas em investimentos para seus clientes. O fundo de US$ 94 milhões do JPMorgan funciona porque a Fundação Gates está se oferecendo para proteger os investidores contra possíveis prejuízos advindos do investimento em drogas e vacinas novas e arriscadas.
"No começo do investimento, você está garantindo ambos os lados do livro-caixa -o lado financeiro e o lado social", disse Alicia Glen, diretora-gerente do Goldman Sachs, sobre esses novos produtos financeiros.
Beck diz que, para ampliar significativamente esses programas, é preciso criar uma Bolsa que permita aos investidores comercializarem esses instrumentos. Dessa forma, eles poderiam manter os mais bem-sucedidos e se livrar dos fiascos.
Do ponto de vista técnico, a atual onda dos "títulos de impacto", segundo ela, consiste principalmente em "apenas contratos entre múltiplas partes com pagamentos contingentes".
Ela está desenvolvendo maneiras de criar um sistema comum para desenvolver títulos de impacto social que sejam, nas suas palavras, "títulos de verdade". A ideia de Beck para criar uma Bolsa é "muito criativa e visionária", segundo Glen, "mas pode demorar a se concretizar".
Fonte: NYT


quarta-feira, 20 de novembro de 2013

'Privatização de tudo' gerou protestos, que vão continuar - David Harvey

GEÓGRAFO DIZ QUE A CRISE MUNDIAL AMPLIOU A CONCENTRAÇÃO DA RIQUEZA E CRITICA GASTOS DO BRASIL COM COPA E OLIMPÍADA
ELEONORA DE LUCENADE SÃO PAULO
O projeto neoliberal é privatizar e "commoditizar" tudo. No seu fracasso em realizar promessas de eficiência estão as raízes dos protestos que eclodem pelo mundo e no Brasil. Partidos convencionais, reféns do capital internacional, não conseguem canalizar a raiva das ruas. Não há ideias novas, e as manifestações vão continuar.
A análise é do geógrafo marxista britânico David Harvey, 78. Professor da Universidade da Cidade de Nova York, ele ataca os "oligarcas globais" e afirma que os bilionários foram os que mais ganharam com a crise.
Crítico de megaeventos como Copa e Olimpíada, ele diz que os governos são muito influenciados pelo capital financeiro: "Esses eventos são sobre a acumulação de capital através de desenvolvimento de infraestrutura. Os pobres tendem a sofrer, e os ricos tendem a ficar mais ricos".
A partir de sexta Harvey irá a debates no Brasil sobre o lançamento de seu livro "Os Limites do Capital" e da coletânea "Cidades Rebeldes".
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Folha - Qual sua avaliação sobre a situação mundial?

David Harvey - É muito mutante e volátil. Está tão perigosa quanto sempre foi. O que me surpreende é que não há novas ideias. As receitas propostas aprofundam o modelo neoliberal ou tentam desenvolver alguma forma de keynesianismo. Ambas opções me parecem muito frágeis.

O sr. disse à Folha em 2012 que a crise deveria aprofundar a concentração de capital e as desigualdades. Isso ocorreu?
Sim. Todos os dados mostram que o número de bilionários cresceu no mundo. Foi o grupo que melhor se saiu melhor na crise, enquanto todos os outros ou permaneceram estagnados ou perderam. O crescimento principal está sendo canalizado para o 1% mais rico da população mundial. É preciso haver uma redistribuição de renda globalmente e entre classes. O clube dos bilionários é que é o problema. Oligarcas globais controlam potencialmente ¾ da economia global. Meu ponto é: vamos para crescimento zero, sem canalizar o crescimento para eles e, ao mesmo tempo, devemos fazer uma redistribuição.

Nesse cenário haveria uma guerra, não?
Olhando para o que está acontecendo nas ruas se pode pensar que esse tipo de coisa não está tão longe assim.

Qual sua visão dos protestos pelo mundo? O sr. defendeu a criação de um "partido da indignação" para lutar contra o "partido de Wall Street". Como essa ideia evoluiu?
Os movimentos não estão indo muito bem. O poder político se moveu rapidamente para tentar reprimir os protestos. Há também muitas divisões entre os movimentos. Sobre o futuro, é muito difícil prever. A situação é muito volátil para os movimentos.

E sobre os protestos no Brasil?
Existe uma desilusão generalizada do processo político. As pessoas estão começando a discutir como modificar os piores aspectos da exploração capitalista. Há também uma alienação, que leva a alguma passividade, que é interrompida ocasionalmente por explosões de raiva. O nível de frustração por todo o mundo está muito alto agora. Não surpreende que essas manifestações ocorram. O problema é canalizar essa raiva para movimentos políticos que tenham um projeto. Prevejo mais explosões de raiva nos próximos anos --no Egito, na Suécia, no Brasil etc.

Há conexão entre esses movimentos?
Sim, cada um tem suas demandas específicas, mas há problemas de base provocados pela natureza autocrática do neoliberalismo, que virou um padrão para o comportamento político. Ele não é satisfatório para a massa da população e fracassou em entregar o que prometeu. Há uma crise na governança democrática e uma raiva contra as formas tomadas pelo capitalismo. No norte da África os protestos foram parcialmente sobre a alta nos preços da comida. Isso diz respeito ao poder do agronegócio e à especulação com as commodities, causas da alta dos preços.

No Brasil os protestos estouraram por causa da alta nas tarifas de ônibus. Como especialista em questões urbanas, como o sr. avalia o problema?
O projeto neoliberal é privatizar e "commoditizar" tudo. Tudo vira objeto das forças do mercado. Dizem que essa é a forma mais eficiente de prover bens e serviços para uma população. Mas, na verdade, é uma maneira muito eficiente de um grupo da população reunir uma grande soma de riqueza às custas de outro grupo da população --sem entregar, de fato, bens e serviços (transporte, comida, casas etc.). Essa é uma das razões do descontentamento da população. Por isso, explodem manifestações de raiva em diferentes lugares e em diferentes direções políticas. Há uma situação de fundo que dá uma visão comum às batalhas, embora cada uma delas seja específica e diferente. No Brasil foi o custo do transporte. Em outros lugares é preço da comida, da habitação etc.

Em São Paulo há também a discussão sobre o aumento do imposto sobre propriedade urbana. Isso também evidencia uma luta social?
Vamos chamar de luta de classes. Ela está mais evidente, mas muitas pessoas não gostam de falar sobre isso.

Partidos tradicionais foram pegos de surpresa no Brasil. Mas os movimentos não têm organização própria. Como isso pode se transformar em forças políticas organizadas?
Se eu tivesse essa resposta, não estaria falando com você agora. Estaria lá fora fazendo. A situação agora reflete a alienação das pessoas em relação a praticamente todos os partidos políticos e a sua desilusão com o processo político. Nos EUA, o Congresso tem uma taxa de aprovação de 10%. Nessa circunstância, as pessoas não vão canalizar o seu descontentamento para o processo político, pois não enxergam esperança nisso. Por isso, há essa raiva. E assim as coisas vão continuar.

O sr. concorda com a visão de que partidos de todos os matizes caminharam para a direita e que a esquerda se diluiu em ONGs e estruturas voláteis?
Há internacionalmente uma ortodoxia econômica, que é reforçada pelos movimentos do capital internacional. Os partidos políticos convencionais se tornaram reféns desse poder.

Isso acontece com o PT?
Isso é para o julgamento de seus leitores. Noto que há uma desilusão sobre o PT entre seus próprios integrantes.

O sr. está escrevendo um livro sobre as contradições do capitalismo. Qual é a principal?
Estão mais restritas as condições que o capital tem para crescer. É muito difícil achar novos lugares para ir e novas atividades produtivas que possam absorver a enorme quantidade de capital que está buscando atividades lucrativas. Em consequência muito capital vai para atividades especulativas, patrimônio, compra de terras, commodities. Criam-se bolhas.

O sr. escreveu que é cada vez mais difícil encontrar o inimigo. Quem é o inimigo?
O inimigo é um processo, não uma pessoa. É um processo de circulação de capital que entra e sai de países. Quando decide entrar, há um "boom"; quando decide sair, há uma depressão. Por isso é necessário controlar esse processo de circulação. O Brasil tem possibilidades limitadas, porque o capital pode simplesmente desaparecer.

No início o Brasil parecia estar indo bem na crise. Agora estamos travados. O que deu errado?
Houve mudanças modestas no Brasil no sentido de redistribuir renda, como o Bolsa Família. Mas é necessário fazer muito mais. Muito dos gastos em enormes projetos de infraestrutura ligados à Copa do Mundo e à Olimpíada são uma perda de dinheiro e de recursos. As pessoas se perguntam por que o país está fazendo todos esses investimentos para a Fifa ter um grande lucro. Para o resto do mundo é surpreendente ver brasileiros se revoltando contra novos estádios de futebol.

Copa e Olimpíada não fazem bem para o país?
A Grécia está em dificuldades em parte por causa do que foi feito em razão da Olimpíada de Atenas. Muitas cidades olímpicas nos EUA entraram em dificuldades financeiras.

Como o sr. explica o poder da Fifa e do COI?
É como qualquer poder monopolista: extrai o máximo do que se tem a oferecer. Os governos são muito influenciados pelo capital financeiro. Esses eventos são sobre a acumulação de capital através de desenvolvimento de infraestrutura, de urbanização. Envolvem também despossuir pessoas, removendo-as de suas residências para abrir espaço aos megaprojetos. Os pobres tendem a sofrer, e os ricos tendem a ficar mais ricos.

Como o sr. analisa a situação política na America Latina?
Politicamente houve, na superfície, um tipo de política antineoliberal. Mas não houve nenhum verdadeiro grande desafio para o grande capital. Há discursos anti-FMI. Mas, de outro lado, o Brasil está ofertando a exploração de seu petróleo para empresas estrangeiras, por exemplo. Não é profunda a tentativa de ir realmente contra as fundações do capitalismo neoliberal. É uma política antiliberal só na superfície, na retórica. Mas há alguns elementos, como o Bolsa Família, que não fazem parte da lógica neoliberal. Mesmo a Venezuela não vai muito longe em realmente desafiar os interesses do capital.

Os EUA não perderam posições na região?
Os EUA estão mais fracos na América Latina, em parte porque o crescimento da região foi mais orientado para a o comércio com a China, que ampliou o seu papel imensamente. De muitas formas, a economia na América Latina é muito mais sensível ao que ocorre na economia chinesa do que na norte-americana.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Entrando numa bolha - MARK WEISBROT


Venezuelanos pensam que, ao comprar dólares, fazem uma aposta na qual não têm como perder. Vão se surpreender quando a bolha estourar
As bolhas de ativos são tão antigas quanto o mercado. Podem ter origens e especificidades históricas diferentes, mas a dinâmica fundamental é relativamente simples.
As pessoas compram algo porque seu preço está subindo e elas acreditam que subirá mais. Isso empurra o preço ainda mais para cima e convence mais pessoas a comprar pela mesma razão. Até a realidade se impor, e a bolha desabar.
Os Estados Unidos tiveram as duas maiores bolhas de ativos da história mundial nas duas últimas décadas: a bolha do mercado de ações, que estourou em 2000-2002, e a bolha imobiliária, que se desfez em 2006. As duas tiveram consequências graves: ambas provocaram recessões ao estourar, tendo a bolha imobiliária desencadeado a Grande Recessão, nossa pior recessão desde a Grande Depressão.
As bolhas foram especialmente dolorosas para as pessoas que compraram os ativos quando estavam no pico ou perto dele. Milhões de pessoas perderam suas casas quando a bolha imobiliária estourou.
Olhemos agora para a bolha de ativos do momento: na Venezuela, vê-se uma bolha do mercado negro de dólares. De acordo com informações disponíveis, a cotação já chega a 59 bfs (bolívares fortes) por dólar, sendo que, em janeiro, era 18 bfs. A taxa de câmbio oficial é 6,3 bfs por dólar, e há outra taxa de câmbio determinada em leilões do governo e que estaria em torno de 12 bfs.
A que se deve essa alta recente tão rápida no preço do dólar no câmbio negro? A razão principal é que as pessoas preveem que o dólar continue a subir, assim como, em 2006, os americanos previam que os preços dos imóveis residenciais nos Estados Unidos continuariam a crescer.
Mas não há razão digna de crédito para que isso aconteça. É verdade que a inflação subiu no último ano, mas a alta não está ficando acelerada, nem mesmo é consistente. A inflação chegou ao pico em maio, a 6,1% no mês, e, em agosto, já tinha caído para 3%. Desde então, voltou a subir, chegando a 4,4% em setembro e 5,1% em outubro, mas é evidente que não se trata de um cenário de hiperinflação.
O governo diz que não tem planos de desvalorizar o bolívar forte, mas, mesmo que deixasse a moeda venezuelana flutuar livremente em relação ao dólar, ela nunca se estabilizaria a um nível que nem sequer chega perto da taxa no mercado negro.
Assim, um venezuelano que adquire dólares no câmbio negro agora porque pensa que é um ativo de valor ou uma proteção contra a inflação está comprando ativos de uma bolha. Seria como comprar no Nasdaq, nos Estados Unidos, quando estava a 5.050, em março de 2000. Em outubro de 2002, o Nasdaq caiu para 1.140 e ainda hoje, mais de dez anos depois, está em 3.860.
É claro que todas as bolhas têm explicações populares que justificam que se entre na onda. Quem não se lembra da "nova economia" nos Estados Unidos, usada para justificar preços que não guardavam relação alguma com a realidade no mercado de ações? Na Venezuela, muitas pessoas pensam que, ao comprar dólares, estão fazendo uma aposta na qual não têm como sair perdendo. Elas vão se surpreender quando a bolha estourar.