quinta-feira, 27 de março de 2014

O cheiro de queimado do Brasil: 'Mercado' sentiu o cheiro de queimado em maio de 2013; 'nota' baixa é só registro em cartório


É ENGRAÇADO, quando não ridículo, ouvir que o "mercado" não esperava para já o rebaixamento do crédito do governo do Brasil por uma dessas agências de avaliação de risco. Uma variante desse humor involuntário dizia: "Apesar do rebaixamento", a Bolsa subiu, o dólar caiu etc.
"Mercado", quando não nomeia algo inefavelmente irrelevante, por costume e algum vício acabou por denominar o conjunto dos donos do dinheiro grosso na praça financeira, investidores e nossos credores. Pois então. O nosso crédito nos "mercados" está em baixa aguda pelo menos desde meados de maio do ano passado, é óbvio.
Foi então, maio de 2013, que começou a rodada mais recente de liquidação de ativos financeiros brasileiros. Venderam-se papéis da dívida pública (os juros subiram), reais (a moeda se depreciou), ações da Bolsa etc.
Em junho de 2013, essa agência rebaixante de agora, a Standard & Poor's, sentiu o cheiro de queimado, sensível para quem quer que tivesse nariz financeiro ou lesse jornais, e deu "ponto negativo" para o Brasil (risco de baixar a nota).
Claro, nota de crédito não se deduz de saracoteios e chiliques do mercado, mas com base na avaliação da capacidade de geração de recursos (crescimento e receita), de usá-los com prudência (consumo comedido, investimento sábio e capacidade de poupar) e da propensão a pagar dívidas. Nada de novo, decerto. O povo dos "mercados" presta atenção às mesmas coisas. Mas sabe antes das agências, sente antes o cheiro de queimado, de lucro pequeno e de devedor em apuros.
Algum bancão global, fundos ditos de "hedge" ou qualquer investidor desses que movem montanhas, de dinheiro, vai esperar uma agência de classificação de risco para decidir o que vai fazer com seu dinheiro no Brasil ou qualquer ou outro país grande e relevante? Francamente. Se fizer besteira monumental, e fazem, vão fazer sem essa assessoria.
Sim, agências de classificação têm sua utilidade: prestar o serviço de avaliar negócios menos conhecidos, em tese reduzindo custos e riscos vários para os investidores.
No entanto, até no lixo da Berrini ou da Paulista (centros financeiros paulistanos) há informação bastante para rebaixar (ou elevar) o crédito do governo do Brasil. De resto, como já se escreveu nestas colunas a esse respeito, da crise da Ásia de 1997 ao desastre de 2008, essas agências foram negligentes, ineptas ou cúmplices da lambança.
No mínimo, chegam atrasadas, vão atrás do trio elétrico dos "mercados" (só não vai quem já morreu), compram o abadá pelo preço do Carnaval das euforias e não raro perdem a hora de avisar que a catástrofe está na próxima esquina. Muitas vezes, aparecem apenas para dar o atestado de óbito, nota "zero" de crédito, quando um calote ou quebra histórica já aconteceu.
Faz diferença receber "nota baixa"? Claro. Como se sabe, certos fundos não podem investir em empresas e países com "nota vermelha" (ainda não voltamos para lá), o que afeta em especial empresas. Pega mal, atesta em cartório e relembra, para o grande público mundial, besteiras elementares que temos feito em matéria de política econômica.
Folha, 26.03.2014.

quarta-feira, 26 de março de 2014

IMUNES: A recusa em enfrentar os problemas só eleva o custo futuro do ajuste; imunidade ao aprendizado sai caro


Mencionei rapidamente em coluna recente um dado alarmante: a poupança nacional caiu de 14,6% para 13,9% do PIB entre 2012 e 2013. Mais alarmante, porém, é notar que essa tendência prevalece há alguns anos. Mesmo sem jamais ter atingido níveis particularmente elevados, a poupança, medida como proporção do PIB, caiu praticamente cinco pontos percentuais a partir de 2008, ou seja, um ponto percentual do PIB a cada ano, em média.
Parte dessa queda reflete o estímulo ao consumo das famílias, visto dentro do governo não só como um "motor" do crescimento mas provavelmente também como garantia de apoio político. A bem da verdade, as pessoas derivam satisfação do consumo; a produção, como bem expresso pela Bíblia ("com o suor do teu rosto comerás o teu pão" Gen. 3-19), é a contrapartida necessária, nem sempre bem-vinda, do consumo crescente. Entre 2008 e 2013, o consumo das famílias cresceu a uma taxa média de 4,2% ao ano; já o PIB, apenas 2,6% anuais, reduzindo em três pontos percentuais a taxa de poupança.
Por outro lado, o aumento do consumo do governo "roubou" cerca de dois pontos percentuais da taxa de poupança no período, sem, é claro, nenhuma contrapartida visível (ou mesmo invisível!) na qualidade dos serviços públicos.
Esses dois desenvolvimentos são a expressão mais clara do modelo de crescimento baseado no consumo. Seus limites, porém, também são óbvios. Como o investimento tem sido baixo, pouco inferior a 19% do PIB em média, a criação de capacidade foi modesta.
Some-se a isso a expansão medíocre (e em franca desaceleração da produtividade) e temos o quadro que hoje caracteriza a economia brasileira. Mesmo com crescimento médio que dificilmente superará 2% ao ano no atual mandato, há sinais consistentes de estresse sobre a capacidade produtiva.
A resistência da inflação --apesar de recursos cada vez menos disfarçados a controles de preços-- é sintoma claro desse problema. Em que pesem flutuações de curto prazo, expectativas ainda sugerem que esta atingirá algo em torno de 6% neste ano, a despeito da elevação da Selic e das resistências em permitir tarifas públicas realistas.
Já a redução expressiva do saldo da balança é a outra expressão concreta do estresse provocado pela discrepância entre a ênfase ao consumo, público e privado, e as dificuldades à expansão da produção.
E, antes que venham dizer que se trata de um problema associado às importações de petróleo, noto que: 1) mesmo descontando o efeito dessas importações, permanece a redução do saldo comercial; e (mais importante) 2) o aumento das importações de petróleo também reflete, em boa parte, o descompasso entre o consumo e a produção, apesar das promessas de autossuficiência energética divulgadas quando da descoberta das jazidas do pré-sal.
Ainda que esses desenvolvimentos estejam longe de caracterizar uma crise, cresce a percepção de que o atual conjunto de política econômica não poderá ser sustentado por muito mais tempo.
Entre os que compartilham esse diagnóstico, há quem acredite que a mudança de rumo tenha data marcada para 1º de janeiro de 2015, independentemente de quem seja eleito.
Permaneço cético. No cenário político mais provável (a reeleição), tanto as crenças profundamente enraizadas sobre as "virtudes" do atual modelo quanto os interesses econômicos encastelados nas proximidades do governo devem se manter como forças contrárias à mudança.
A tendência, portanto, é de aprofundamento do estresse nos próximos anos, até que o peso dos desequilíbrios acabe por tornar a mudança imperativa. Quando, porém, essa alteração ocorrer, as condições, quase que por definição, serão menos favoráveis que as prevalecentes hoje ou no futuro próximo.
A recusa em enfrentar os problemas apenas aumenta o custo futuro do ajuste. Vimos isso nos últimos anos --quando desperdiçamos nossas chances-- e veremos de novo. Imunidade ao aprendizado acaba saindo caro.

Não cremos em mudanças do país após as eleições diretora dA: S&P diz que contas do governo ficarão fracas por mais dois anos e não descarta um novo rebaixamento da nota

RAQUEL LANDIM - DE SÃO PAULO
Lisa Schineller, diretora da Standard & Poor's (S&P), disse que um novo rebaixamento da classificação da dívida brasileira não está descartado. O país caiu anteontem um degrau na escala de bons pagadores e, se for rebaixado novamente, pode perder o grau de investimento.
"Não significa que não vamos mudar. Quero frisar isso. Mas agora os riscos de um rebaixamento e de uma elevação estão equilibrados", disse à Folha, ao ser questionada sobre a perspectiva "estável" adotada para o país.
Segundo ela, o país pode ser rebaixado novamente se houver uma "forte deterioração" dos indicadores fiscais (receitas e gastos do governo) e um "abandono da política macroeconômica pragmática", que é o tripé formado por meta de inflação, câmbio flutuante e superavit primário (economia para pagar juros).
Lisa, principal responsável pela avaliação do Brasil na agência, está pessimista com a situação fiscal, mesmo após as eleições presidenciais. "Nunca é fácil fazer mudanças antes das eleições, mas, com todo o cenário previsto, também não acreditamos em uma forte mudança depois."
Folha - Por que a S&P rebaixou o Brasil?

Lisa Schineller - Nós sinalizamos o risco de rebaixamento em junho, quando mudamos a perspectiva para negativa. Desde então a situação piorou na área fiscal, com deficit mais altos, superavit primários [exclui gastos com juros] mais baixos e contínua atividade fora do Orçamento [manobras fiscais]. E num contexto de baixo crescimento, o que reduz a arrecadação.
Na nossa opinião, a execução fiscal vai continuar com um crescimento mínimo, neste e nos próximos anos. Não será fácil atingir a meta de superavit neste ano. Também vemos outros riscos, como (o nível de endividamento) dos governos locais.
Se adicionarmos a isso algum enfraquecimento global, deixa menos espaço para manobrar os choques externos.

O que contou mais no rebaixamento: o aumento dos gastos ou o baixo crescimento?
É uma combinação. O crescimento no Brasil vai continuar baixo nos próximos anos. Há fatores cíclicos e estruturais. Entre os cíclicos, o aumento dos juros, que vai impactar a economia neste ano e no próximo. Entre os fatores estruturais, a força de trabalho está encolhendo.
Houve alguns importantes movimentos com as concessões, mas ainda é lento. O investimento em relação ao PIB é muito baixo. O crescimento não é significativo por causa do sentimento negativo entre os empresários, inclusive pela proximidade com as eleições. Com algumas desonerações fiscais sendo mantidas, vai ser mais difícil elevar a arrecadação e atingir a meta.

Qual foi a importância das eleições na sua decisão?
Nós incorporamos as eleições nas nossas projeções. Nunca é fácil fazer mudanças antes das eleições, mas, com todo o cenário previsto, também não acreditamos em uma forte mudança depois.
Esperamos uma queda no deficit a partir de 2015, como reflexo de uma política fiscal um pouco mais apertada. No entanto, há incertezas sobre o tamanho e o alcance.

Por que vocês mantiveram a perspectiva estável?
Isso reflete o fato de que, apesar dos meus comentários negativos, há resiliência na economia brasileira. A dívida externa está crescendo, mas ainda é baixa. O deficit em conta-corrente está crescendo, não é totalmente coberto por investimento direto, mas há grandes reservas internacionais. Há deterioração fiscal, mas a composição da dívida do governo ainda é sólida. Os superavit primários estão menores, mas o Brasil ainda tem um superavit.
Também acreditamos que há um comprometimento amplo com a política macroeconômica: sistema de metas de inflação, câmbio flutuante e superavit primário.
O histórico de comprometimento com a política macroeconômica é um componente importante.

O que essa perspectiva estável significa? Até quando vocês não vão alterar a nota?
Olhamos para um horizonte de seis meses a dois anos. Não significa que não vamos mudar. Quero frisar isso. Mas agora os riscos de um rebaixamento ou de uma elevação estão equilibrados.
Isso é o que estamos sinalizamos aqui.

Alguns analistas estão especulando que a S&P pode rebaixar o Brasil de novo no ano que vem. É possível?
Não podemos dizer que não vamos. Com uma perspectiva estável, estamos olhando os riscos de elevação e de rebaixamento.
Quais são os riscos de uma elevação? Se tivermos uma política macroeconômica mais consistente, iniciativas para melhorar o resultado fiscal, um crescimento mais significativo, isso pode levar a uma elevação.
Por outro lado, podemos rebaixar o rating se houver deterioração forte dos indicadores fiscais e um abandono da política macroeconômica pragmática.
Mas isso não está no nosso cenário agora.

O Brasil foi rebaixado por seu cenário interno e não pela crise externa?
Sim. Nós achamos que o enfraquecimento interno dá menos margem de manobra para uma deterioração do cenário externo.

Qual é a sua perspectiva para os países emergentes?
Vemos muita volatilidade globalmente. O fim da expansão monetária nos EUA é positiva, porque significa que a economia americana está melhorando. Mas, se vamos caminhar para condições normais de financiamento, haverá um ajuste para os países emergentes.
E outro elemento central para a América Latina é a China. Um crescimento mais lento tem implicações para o crescimento dos países da região. Crescer 7% é muito diferente de crescer 10% para os preços das commodities. E isso impacta na perspectiva de crescimento do Brasil.

A S&P rebaixou Eletrobras e Petrobras no mesmo nível que o Brasil. Mas a Petrobras tem uma dívida muito alta. Levaram isso em consideração?
É melhor conversar com nossos analistas setoriais. Mas nós vemos a Petrobras como uma estatal que tem um perfil consistente de longo prazo e fortes ligações com o governo, combinação que dá o rating. 

RAIO-X - LISA SCHINELLER:
Formação:economia e espanhol pelo Wellesley College, Ph.D. em economia pela Universidade Yale;
Cargo: diretora da Standard & Poor's

Trajetória: Universidade Columbia, Banco Central dos EUA e Exxon.
Folha, 26.03.2014


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quarta-feira, 19 de março de 2014

CADE: Da regulação para a estruturação de mercado

ANTONIO DELFIM NETTO
Para os homens, o futuro é opaco. É insondável porque não repete nem está escondido no passado. Eles têm memória e aprendem com seus erros e com as decepções produzidas pelas ações inconsequentes do Estado que produzem danos colaterais não intencionais. Estas reduzem a disposição de tomar risco que é inerente aos investimentos que ligam, fisicamente, o presente ao futuro e sem os quais a necessária harmonia entre o crescimento da oferta de bens e serviços (públicos e privados) e a sua distribuição mais equânime por toda a sociedade fica comprometida.
Pelo menos cinco séculos de história revelam que um Estado constitucionalmente limitado --que abriga instituições adequadas ao exercício da liberdade de iniciativa, garante a segurança jurídica dos agentes e a estabilidade social-- é capaz de reduzir o grau de incerteza sobre o futuro e ampliar o horizonte dos mais dispostos a tomar o risco implícito em todo investimento.
Essa redução da opacidade, produzida pela confiança que os agentes têm na ação do Estado, liberta o "espírito animal" dos inovadores mais ousados ao mesmo tempo em que reduz a "taxa geral de desconto sobre o futuro". Com isso elevam-se as taxas de retorno esperadas de praticamente todos os projetos de investimento e, portanto, põe-se em marcha uma aceleração do desenvolvimento.
Acontece o contrário quando a confiança entre o setor empresarial privado e o Estado, representado pelo poder incumbente de plantão, se reduz por motivos verdadeiros ou imaginados: quando ambos têm dificuldades de entender o papel insubstituível e complementar de cada um no processo civilizatório que deve ser o desenvolvimento econômico. É exatamente isso que vem acontecendo no Brasil.
O governo seguramente entendeu o problema e tem dado demonstrações de que deseja superá-lo. Procura mostrar que a legítima política de buscar a "modicidade tarifária", nas transferências de monopólios públicos para o setor privado, não tinha como objetivo substituir o processo alocativo regulado pelos sinais do mercado. Mas a situação não é fácil.
Muitos fatores conspiram contra o sucesso imediato de suas necessárias intervenções. Além do mais, o comportamento de algumas agências de Estado não esconde uma ideologia "intervencionista", como é o caso, por exemplo, do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que tenta extrapolar sua importantíssima função de organizador da concorrência --negada, aliás, pelo governo em outras áreas como a dos "campeões nacionais"-- para exercer a tarefa de organizador da estrutura dos mercados, para a qual falece-lhe competência.
Folha, 19.03.2014

quinta-feira, 13 de março de 2014

Queremos ser grandes? A internacionalização das empresas brasileiras requer um sistema tributário que as incentive ou ao menos não as atrapalhe, como ocorre hoje


Os países se defrontam com importante escolha tributária no que diz respeito à internacionalização de suas empresas. Eles devem decidir se é de interesse nacional que elas invistam no exterior.
Se for de interesse do país a internacionalização de suas empresas, o sistema tributário deve incentivá-las, aumentando sua competitividade ou, ao menos, mantendo-se neutro e não oferecendo barreiras.
O Brasil não tem feito nem uma coisa nem outra. A medida provisória nº 627/13, em discussão no Congresso Nacional, pode redefinir a posição do país nessa questão.
Os sistemas tributários que buscam incentivar a competitividade determinam que o lucro obtido no exterior é tributado apenas no país de destino do investimento. Esse é o método sugerido pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e praticado pela maioria dos países desenvolvidos, como Alemanha, Canadá, França, Itália, Japão e Reino Unido.
Os Estados Unidos adotam um sistema neutro, no qual prevalece a alíquota de Imposto de Renda do país de origem dos investimentos. Entretanto, permite-se que os lucros reinvestidos no exterior sejam tributados apenas quando remetidos para a matriz americana.
O Brasil deveria adotar política semelhante, pois os ganhos de escala gerados por investimentos no exterior são fundamentais para garantir a competitividade das empresas brasileiras frente a competidores de outros países que operam em escala mundial. Sem tais ganhos, as empresas brasileiras podem deixar de ser competitivas até mesmo no Brasil. Isso poderia reduzir a geração de emprego no país ou condicioná-la a práticas protecionistas no mercado nacional, levando a preços mais elevados para os consumidores brasileiros.
Esse foi o caminho seguido pelo Brasil na década de 1990. O país tributava os lucros no exterior apenas quando distribuídos ao controlador brasileiro e garantia o abatimento do imposto devido no exterior.
Desde 2001, com a medida provisória nº 2.158-35/01, o Brasil andou para trás e os tributos brasileiros passaram a incidir antes da distribuição dos lucros. Isso fez com que os valores se tornassem, muitas vezes, integralmente onerados, sem crédito do imposto estrangeiro, já que nos países de destino dos investimentos a tributação ocorre, geralmente, na distribuição dos lucros.
Ou seja, impôs-se tributação "na origem" e "presumida" ao final de cada ano, numa verdadeira "substituição tributária internacional". É o único país do mundo que faz isso.
Assim, as multinacionais concentraram as empresas controladas pela sede em países que possuem tratados com o Brasil para evitar bitributação, assegurando a tributação dos lucros apenas onde localizadas.
A Receita Federal do Brasil, porém, deu nova interpretação aos tratados segundo a qual eles não impediriam a bitributação. As discussões acabaram nos tribunais.
A medida provisória nº 627/13 tinha o propósito de solucionar o tema e conciliar os interesses públicos e privados. No entanto, o texto apresentado mantém a quebra de neutralidade ao estabelecer a tributação antes de o lucro ser disponibilizado no Brasil. Além disso, tributa o acréscimo patrimonial da empresa brasileira, e não os lucros obtidos no exterior. E, pior, procura legalizar a interpretação dada pelo fisco aos lucros de empresas localizadas em países com os quais o Brasil tem tratado.
O Congresso se depara com a importante decisão sobre quão grande queremos que nossas empresas e nossa economia sejam. Se a opção for pela internacionalização, sugere-se adotar a tributação no destino, padrão recomendado pela OCDE e utilizado com sucesso pelas economias avançadas. Caso não seja essa a opção, deve-se, ao menos, remover a tributação antecipada, haja vista os danos que causa à competitividade das empresas.

quarta-feira, 12 de março de 2014

O regime do presidente: 'Melhorar a inflação com pleno emprego' equivale a tentar perder peso sem fazer regime

ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Segundo a Folha, Lula teria afirmado que "a defesa do emprego é mais importante que a inflação", gerando certo desconforto. Na tentativa de desfazê-lo, o ex-presidente negou a frase, que, de acordo com a gravação, é: "Eu não quero que tenha desemprego para poder melhorar a inflação. Eu quero melhorar a inflação com pleno emprego".
As frases são realmente distintas. A primeira, renegada, baseia-se numa noção falsa. Já a segunda, sem incorrer no mesmo erro, revela um desejo que, se não estritamente impossível, permanece improvável na prática, em particular sob as condições que vivemos hoje. A exploração dessas diferenças deve ajudar a iluminar o problema.
Parece haver ainda quem acredite numa oposição permanente entre inflação e desemprego (ou crescimento), ou seja, que a manutenção de taxas reduzidas de inflação requereria desemprego elevado e, simetricamente, que uma inflação mais alta permitiria desemprego menor. Assim, caberia ao governo escolher a combinação entre desemprego e inflação que melhor expressasse as preferências do público.
A justificativa soa óbvia. Quando o desemprego cai, os salários se aceleram; caso seu aumento (digamos 10%) ultrapasse o da produtivi- dade (digamos 5%), os custos por trabalhador subirão (4,8%) e pressionarão a inflação. Pelo mes- mo raciocínio, o aumento do desemprego levaria à desaceleração dos salários, portanto a inflação mais baixa.
Embora intuitiva, a história deixa de lado um aspecto importante. De fato, quando o mercado de trabalho aperta, trabalhadores demandam salários mais altos, mas, como não são tolos, conseguem distinguir entre aumentos salariais nominais e reais, isto é, se o aumento prometido será, ou não, suficiente para repor o custo de vida mais elevado.
Isto dito, como todos nós, não sabem exatamente como a inflação irá se comportar ao longo do período em que seus salários foram fixados (um ano, por exemplo); tratam, portanto, de incorporar aos salários suas expectativas de inflação para os próximos 12 meses. Caso acreditem que a inflação se acelerará porque o governo prefere reduzir o desemprego, adicionarão às suas demandas uma parcela que reflita expectativas mais elevadas.
Esse processo, contudo, termina por frustrar a queda do desemprego, já que os salários reais não se alteram muito (só pelos erros naturais de previsão). Não é possível, pois, "comprar" menos desemprego (ou mais crescimento) com mais inflação, pelo menos não de forma persistente. Quem buscar defender o emprego à custa de mais inflação terminará apenas com inflação mais alta, sem ganhos do ponto de vista de desemprego.
Tendo isso em mente, saindo de uma situação com inflação acima da meta, seria em tese possível reduzi-la mantendo a economia em pleno emprego (isto é, o desemprego na sua "taxa natural"), desde que as expectativas de inflação convergissem para a meta. Já do ponto de vista prático, as dificuldades são enormes.
Para começar, o desemprego deveria estar próximo à "taxa natural", isto é, aquela em que os aumentos de salários nominais (deduzi- dos do aumento da produtividade) se encontrassem próximos à meta de inflação. Adicionalmente as expectativas deveriam também estar na meta.
Segundo, porém, os dados do IBGE, os aumentos salariais andam na faixa de 8% ao ano, ante crescimento da produtividade inferior a 1% ao ano. Já as expectativas se encontram ao redor de 6% anuais, deixando claro que as condições para uma desinflação sem custos não se encontram presentes, em boa parte devido à política desastrada do BC a partir de 2011.
Nesse contexto, "melhorar a inflação com pleno emprego" equivale a tentar perder peso sem fazer regime.
Do ponto de vista político, é sempre bom prometer ganhos sem sacrifícios; na prática, o difícil é transformar essas promessas em realidade. Exatamente por isso a inflação não irá cair e, mais à frente, será o desemprego a subir.

Planos Econômicos BC, AGU e STF

ANTONIO DELFIM NETTO
Antes do bem-sucedido Plano Real (1994) que controlou o processo inflacionário no Brasil, várias alternativas foram ensaiadas e fracassaram. Notadamente, os planos: Bresser (1987), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991) nos quais foram construídos vários expedientes de ajustes para tentar preservar um relativo equilíbrio distributivo. Os planos deveriam deixar cada agente com um "poder de compra" tão perto quanto possível, do que tinha imediatamente antes deles, particularmente no que se referisse aos salários e aos depósitos das cadernetas de poupança.
Exatamente para preservar o equilíbrio distributivo, os planos, por necessidade, envolvem a manipulação de índices de preços para corrigir os efeitos da esperada redução rápida da taxa de inflação. Como a operação é abstrata, os agentes sentem que teriam sido vítimas de um "expurgo" e recorreram ao Judiciário para tentar reavê-lo.
Como é comum no Brasil, as ações chegaram ao STF 25 anos depois do Plano Bresser (1987)! As discussões públicas têm, até agora, produzido mais paixão e calor do que luz. Uma eventual decisão mal informada do STF talvez não gere a exagerada tragédia prevista para o presente, mas, certamente, terá consequências desastrosas e insuperáveis para a administração da economia brasileira no futuro.
Trata-se, no final, de uma questão objetiva e simples: o "poder de compra" dos depósitos das cadernetas de poupança diminuiu entre o período imediatamente anterior e o imediatamente posterior aos planos? Uma honesta e competente Nota de 18/11/2008, da Secretaria Extraordinária de Reformas Econômicas e Fiscais do Ministério da Fazenda, demonstrou que não!
É possível que haja uma pequena exceção no Collor 2. Estudos posteriores (Ernest & Young Terco, agosto de 2013, e Eric S. Maskin, fevereiro de 2014), mostraram, por outro lado, que não há evidência empírica que os "planos" tenham resultado em lucros excepcionais para o sistema bancário público e privado, o suspeito apropriador do "expurgo".
Diante do delírio do Ministério Público, revelado no parecer pericial que em 2010 enviou aos ilustres membros do STF sobre o assunto, fizeram bem o Banco Central e a Advocacia-Geral da União de sugerirem um reexame da questão.
Não se trata de saber se os bancos eventualmente poderiam pagar o suposto "expurgo" porque acumularam lucros em outras operações, o que, aliás, não restou provado. O problema é saber se o "poder de compra" dos depositantes foi reduzido pelos planos: é elementar, bem definido e aritmeticamente solúvel sem nenhum juízo de valor. É sobre isso que o STF tem que decidir e fazer justiça. Chega de mistifório!
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quinta-feira, 6 de março de 2014

Mais faculdade, menos desemprego

VINICIUS TORRES FREIRE
Crédito estudantil tira jovens do mercado de trabalho e ajuda a manter desemprego em nível baixo
CADA VEZ MAIS, jovens têm preferido estudar a trabalhar, indicam as pesquisas de emprego e o número de matrículas no ensino superior. Ao trocar o trabalho pela faculdade, os jovens ajudam a derrubar a taxa de desemprego, fenômeno que ficou evidente em especial no ano passado.
A reviravolta se deveu em parte a um programa do governo que facilitou o financiamento dos estudos, segundo estudo dos economistas Aurélio Bicalho e Luka Barbosa, do Departamento de Pesquisa Macroeconômica do banco Itaú.
Desempregado não é quem está sem trabalho, mas quem procura e não encontra emprego. Quem deixa de querer trabalho deixa de fazer parte da população economicamente ativa (PEA). Se a oferta de empregos cai, mas cai também a PEA, o desemprego pode até diminuir. É o presente caso brasileiro: a PEA está caindo. Mais gente deixa de procurar trabalho, em especial jovens de 18 a 24 anos.
É fato que o mercado de trabalho ficou mais frio, pois a economia tem crescido mais devagar. O número de trabalhadores em janeiro deste ano era 0,1% menor que em janeiro de 2013 (nas seis regiões metropolitanas pesquisadas pelo IBGE). Parece pouco, mas a população ocupada crescia ao ritmo anual de 2% em 2011-2012 e de 3% de 2006 a 2008.
A diferença é brutal. Fica evidente também nas estatísticas do emprego formal, que aumentava ao ritmo de 120 mil vagas mensais entre 2006 e 2008, caindo para 60 mil em 2013, relembra o pessoal do Itaú.
Segundo Bicalho e Barbosa, o mercado de trabalho mais fraco desestimulou a procura de emprego. Mas outro fator deve ter contribuído para mudar as preferências dos jovens.
Em 2010, o governo melhorou as condições do crédito por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Os juros caíram muito e o prazo para pagar aumentou. O número de matrículas pelo Fies foi de 76 mil em 2010 para 566 mil em 2013. O número de jovens inativos cresceu entre 2012 e 2013, a maior parte deles entre os que estudam (82%).
Obviamente, a decisão de estudar em vez de trabalhar depende das condições de vida das famílias. A renda cresceu bem na década recente. Se as famílias estivessem no aperto, os jovens teriam de ajudar em casa e/ou estariam menos inclinados a tomar um financiamento.
No presente contexto, os jovens do Fies não devem voltar ao mercado, o que deve manter o desemprego baixo e a inflação pressionada nos próximos trimestres, notam Bicalho e Barbosa.
Sem uma pesquisa específica com os jovens, é difícil cravar o motivo da mudança de comportamento. Mas o estudo de Bicalho e Barbosa fundamenta com cuidado uma hipótese razoável. O trabalho, de resto, evidencia outra mudança social que tem recebido pouca atenção.
O desemprego não está baixo apenas por causa dos jovens estudantes, claro; aliás, está curiosamente baixo, dadas a desaceleração do ritmo do PIB (de crescimento anual de 4% sob Lula para 2% na média de Dilma) e a alta de custos para as empresas. É provável que as reduções de impostos sobre a folha salarial, entre outros, tenham compensado a baixa econômica e os custos crescentes, embora tal "solução" não seja sustentável, dado o deficit crescente do governo.
    Folha, 06.03.14