sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

A indústria na encruzilhada: Os estímulos pontuais à economia de remédio a veneno

PEDRO LUIZ PASSOS
São mudanças estruturais, e não estímulos pontuais, que criarão a base para a expansão do setor produtivo
A indústria brasileira obteve em 2013 o melhor resultado dos últimos três anos, mas esse não é um feito que mereça comemoração.
Primeiro, o crescimento foi baixo, próximo a 1,5%, incapaz de compensar a queda de produção superior a 2% no acumulado dos dois anos anteriores.
Segundo, mesmo essa tênue recuperação foi limitada, pois apoiada em apenas 2 dos 27 ramos pesquisados pelo IBGE, veículos automotores e máquinas e equipamentos --justamente os que contaram com incentivos do governo sob a forma de juros menores nos bancos oficiais ou reduções de impostos.
Estímulos se justificam como mecanismos transitórios de sustentação de produção e emprego durante períodos de correção de rota ou de ajustes da política econômica. Funcionam como paliativos à falta, ou à espera, da verdadeira solução para uma situação de baixo crescimento.
Mas não tem sido assim. As coisas se misturaram de tal forma nos últimos anos que os estímulos financeiros e fiscais usados com bons resultados para evitar o contágio da grande crise de 2008 se tornaram recorrentes.
Nesse processo, foram perdendo eficácia como meios temporários para dinamizar a indústria, além de induzir orientações erradas sobre questões relevantes para o país.
Dois exemplos estão à vista a olho nu: o incentivo à utilização do transporte individual e o retrocesso no desenvolvimento de energias limpas e renováveis, como o etanol. O uso abusivo das subvenções financeiras e fiscais encobriu também o difícil, embora essencial, caminho de reerguimento da competitividade --este, sim, o fator capaz de restaurar o crescimento da indústria em bases sólidas e duradouras.
Preocupante é que o cenário de indefinições se dê em meio a outra onda de mudanças radicais nos processos produtivos, sobretudo nos Estados Unidos.
O boom da exploração de óleo e gás de fontes não convencionais derrubou o custo da energia, mas o renascimento industrial nos EUA traz no bojo também algo tão importante para a competitividade quanto o acesso a insumos baratos: uma efervescência de inovação, que inclui a adoção integral da inteligência dos softwares nas linhas de produção e montagem, permitindo simular, modelar e testar antes de produzir, tudo a custo muito baixo e em tempo real.
Onde estamos, numa linha de tempo, em relação a isso? Caso nada seja feito, é certo que se agravará a posição já desvantajosa detida pela indústria brasileira no cenário mundial.
Além de buscar acelerar o crescimento --algo que nem sequer vem sendo obtido em se tratando da nossa economia--, a política econômica deveria dedicar-se a estabelecer as bases para que o país não se atrase ainda mais na corrida tecnológica, o que significa que as empresas devem ser mais inovadoras e terem condições de ganhar produtividade e se inserir nas cadeias internacionais de valor.
A tarefa seguramente não é fácil. Ela será mais viável se desde já fizermos as escolhas apropriadas. Evitar oscilações exageradamente acentuadas do câmbio, como as que ocorreram no passado, ajuda, mas está longe de esgotar a questão. Será necessário acelerar o programa de concessões ao setor privado de obras de infraestrutura, que está apenas engatinhando, apesar de conhecidas de longa data as graves deficiências na área.
Difíceis de serem corrigidos em prazo curto, mas também dignos de lembrança dada a urgência de soluções, são a deficiência do sistema educacional e da formação de mão de obra e o custo tributário excessivo.
A meu ver, mesmo providências de envergadura como essas terão impacto limitado diante do novo quadro internacional, se não reformularmos completamente as políticas de integração com a economia mundial.
Impõe-se por isso compromisso com a maior abertura comercial, a ampliação dos acordos internacionais e os incentivos redobrados à exportação. Com maior competição e presença internacional de nossas empresas, poderemos ter na inovação e no progresso tecnológico o meio principal para elevar a produtividade e a capacidade competitiva de toda a economia.

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Dilma em Davos 2014: O discurso do rei

ALEXANDRE SCHWARTSMAN
Resumindo Dilma: 'Fazemos tudo certo, mas vocês não reconhecem; admitam que somos fantásticos e invistam'
Visto em certos círculos como capitulação, a presidente discursou em Davos numa tentativa de recuperar a confiança perdida pelo país junto a investidores internacionais. Intenção louvável (ainda que tardia) à parte, o resultado não foi dos melhores. O discurso está permeado dos mesmos vícios que criaram o problema, a saber, autossuficiência no limite da arrogância, assim como uma inacreditável incapacidade de entender as críticas ao desempenho medíocre do país.
Um olhar mais detalhado revela que a fala trouxe obviedades, inverdades e promessas. Nenhuma colabora particularmente para a construção da confiança.
É muito bom saber, por exemplo, que parcela considerável da população brasileira ascendeu social e economicamente na última década ou que as reservas internacionais do Brasil são da ordem de US$ 375 bilhões. O problema é que essas informações só ajudariam a melhorar a imagem do país caso fossem desconhecidas da audiência e reveladas naquele momento feliz em que a presidente ofereceu ao mundo uma visão inédita sobre a realidade brasileira, o que, convenhamos, está longe de ser o caso.
Pelo contrário, a audiência já conhece a história e mesmo assim permanece reticente quanto ao país, não, obviamente, porque desgosta de reservas elevadas e melhora social, mas porque tem visto outros desenvolvimentos nada positi- vos, como inflação alta, crescimento baixo e contas fiscais sob crescente suspeita. Nesse aspecto esperava-se algo de concreto acerca de como lidar com esses temas. O que se viu, contudo, foi a negação da sua existência.
Assim, a presidente reitera que o país busca, "com determinação, o centro da meta inflacionária". Caso fosse verdade, a diretoria do BC já estaria na rua. Não se atinge a meta (não existe "centro da meta"; só a meta) de inflação desde 2009, e, de acordo com as previsões do BC, isso não ocorrerá pelo menos até 2015. Se isso é "determinação", não quero nem imaginar o que teria ocorrido caso tivessem feito "corpo mole".
Na mesma toada afirma que "as despesas correntes do governo federal estão sob controle e houve uma melhora qualitativa (!) das contas públicas nos últimos anos". Uma breve inspeção dos números oficiais do Tesouro, porém, revela que as despesas correntes saltaram de 16,5% do PIB em 2010 para 17,7% do PIB nos 12 meses terminados em novembro do ano passado, para ficar apenas no período mais recente (em 2003, por exemplo, eram 14,5% do PIB). De novo, se isso significa controle, arrepia-me pensar o que poderia ser uma situação de descontrole.
Afirmações como as acima podem funcionar para uma audiência despreparada, mas dificilmente no que se refere a investidores familiarizados com os números e as ações de política econômica no Brasil. O resultado no caso é o oposto: a percepção de que o governo não reconhece seus próprios problemas apenas reforça a desconfiança na gestão do país.
Contra esse pano de fundo sobram as promessas, mas, vamos falar a verdade, estas só funcionam se houver confiança, o que nos traz de volta à estaca zero.
Em nenhum momento houve reconhecimento dos erros (e não foram poucos!) de política, os diagnósticos equivocados, a execução malfeita de projetos. Houvesse autocrítica, certamente seria possível construir uma base para a credibilidade acerca de rumos futuros que incorporassem a correção dos enganos anteriores.
Assim, se tivesse que resumir o discurso, seria algo na linha: "Estamos fazendo tudo certo, mas vocês não reconhecem; tratem de admitir que somos fantásticos e invistam".
O governo prefere acreditar que a questão se resume a dificuldades de comunicação e que um exercício algo despudorado de autolouvação há de corrigi-las, apesar da evidência em contrário. Se quisessem mesmo resolver o assunto, poderiam começar ensinando à presidente o que aprendi com minha avó: "Elogio em boca própria é vitupério".

Mercosul: O mercado financeiro apropriou-se do sistema político

ANTONIO DELFIM NETTO
Se tomarmos distância e tentarmos discernir quais os fenômenos que caracterizam o momento em que vi- vemos, talvez possamos apontar seis deles:
1. A evolução do clima, que, em parte, é resultado da dinâmica do sistema planetário (sobre a qual pouco podemos fazer) e, em parte, é resultado da ação do homem na apropriação da natureza finita para atender ao crescimento da população mundial.
2. Uma globalização do sistema produtivo, estimulada pela "mundialização" financeira gestada pela livre movimentação dos capitais e pela facilidade de informação. Nela, as nações politicamente independentes são, cada vez mais, peças importantes, mas dispensáveis, na produção global.
3. O resultado mais deplorável dessa dominância financeira foi uma exacerbada concentração de renda. A solução da grande recessão de 2007 mostrou que, em larga medida, o mercado financeiro apropriou-se do sistema político, com graves consequências: os patifes que promoveram o assalto ao cidadão incauto (sob a proteção dos olhos complacentes dos governos) estão muito bem, enquanto mais de 40 milhões de honestos trabalhadores de todo o mundo ainda estão sem emprego. A falta de uma resposta política eficiente e rápida para esse problema é uma das mais sérias ameaças à democracia.
4. Houve, em compensação, um claro avanço das relações entre a organização econômica (o "mercado"), que o homem foi encontrando num processo de seleção histórica para satisfazer objetivos não inteiramente compatíveis, e o processo democrático (a "urna"), o que reduziu a angústia da procura de soluções mágicas para resolvê-los.
5. Um rápido processo de urbanização, que acarreta profundas consequências ecológicas no comportamento humano e cria um ambiente vulnerável.
6. E, finalmente, a emergência de uma forma revolucionária de interação popular paralela à da representação democrática clássica. Ela tornou-se possível pelos rápidos e incontroláveis avanços da tecnologia de informação. Ainda estamos longe de entender suas consequências práticas, a longo prazo, nas relações entre o cidadão e o Estado (que tenta controlar a tecnologia).
Como resulta claro desses fenômenos, nenhum grupo de pequenos países pode enfrentá-los. Se, por um lado, é preciso uma coordenação mundial, por outro, é necessário o reconhecimento de cada um, por mais importante que pense ser, de que é apenas uma engrenagem pequena ou grande que, ou se integra no processo produtivo global, ou será desembreado dele! Esse será, por exemplo, o destino dos países do Mercosul se não entenderem o processo...

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Brasil e China no túnel do tempo: Democracia e Economias

MARCOS TROYJO
De 1978 para cá, nossa economia cresceu 12 vezes. A da China, 45. Por que nós voamos rente ao chão?
Suponha que os 3.000 participantes do Fórum Econômico Mundial entrassem num túnel do tempo. Regressariam até 1971, ano do primeiro encontro de Davos.
Lá chegando, os CEOs, futurólogos e vencedores do Nobel fariam uma aposta. Que países do que à época se chamava "Terceiro Mundo" --hoje "emergentes"-- seriam as estrelas da economia em 2014?
Imagine que déssemos pistas aos ilustres senhores. Em algum momento entre 2020 e 2023, um entre os emergentes superaria o PIB nominal dos EUA. Contabilizaria volume somado de exportações e importações acima dos US$ 4 trilhões anuais, tornando-se em 2014 a potência comercial líder.
Seu investimento em pesquisa e inovação rapidamente convergiria à média dos países ricos. Essa nação lideraria em 2013 o ranking da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) em número de marcas registradas, patentes e desenho industrial.
Rivalizaria com os EUA na condição de principal destino de investimentos estrangeiros diretos (IEDs).
Esse Davos imaginário poderia prever que tal país seria a China?
No início dos 70, a China não se distinguia pela planta manufatureira. Já o Brasil, no auge do "milagre", era o maior parque industrial do hemisfério Sul. O "Brasil Potência" crescia mais de 10% ao ano.
Em 1978, China e Brasil tinham PIB equivalente: US$ 200 bilhões. O Brasil contava 100 milhões de habitantes. A China, 1 bilhão. De lá para cá, a população brasileira dobrou. A da China cresceu 30%, já levando em conta a reintegração de Hong Kong (1997) e Macau (1999). Nesse período, nossa economia aumentou 12 vezes. A da China multiplicou-se por 45. Por que a China decolou e o Brasil voou rente ao chão?
Muitos creditam a diferença do desempenho à mão forte de regimes autoritários e às virtudes do dirigismo. Isso é um equívoco. A China, da Revolução de 1949 até a morte de Mao Tsé-tung, em 1976, também era tenebrosamente ditatorial e planificadora --e sua economia não ia a lugar nenhum.
O Brasil redemocratizou-se nos 80 e cresceu comparativamente pouco desde então. Mas o problema não é a democracia. A questão é que, com 40 % da renda circulando pelo Estado, o país continua estatizante e dirigista.
A diferença está no tipo de estratégia adota. A economia chinesa, desde 1978, foi orientada a competir globalmente. Caracterizou-se por parcerias público-privadas, baixo custo trabalhista e tributário, acúmulo de poupança e investimento, atuante diplomacia empresarial.
Já a vertente brasileira foi voltada para dentro. Ambiente cartorial de negócios, busca de fortalecimento de "campeãs nacionais", política comercial e industrial defensiva, investimento mirrado, seguridade social que não cabe no PIB.
O túnel que Brasil e China atravessarão para chegar ao futuro é distinto daquele que os trouxe ao presente. Os chineses parecem saber disso. Hoje redirecionam seu modelo industrial-exportador rumo a uma economia em rede mais sofisticada. Será que o Brasil conseguirá fazer o mesmo com seu capitalismo de Estado?
Fonte: Folha, 24.01.2014.

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Política: Relações entre Mercado e Estado na visão dos liberais ortodoxos e dos desenvolvimentistas heterodoxos

ANTONIO DELFIM NETTO
Um voo rápido sobre as notícias que encerraram 2013 revela uma curiosa dicotomia. Aparentemente, nossos analistas não se distinguem pela objetividade, mas pelas crenças que cultivam e que insistem em apresentar como resultado de "suas ciências". Grosseiramente podemos reduzi-los a dois grupos.
De um lado, os que se consideram "certinhos" e que se creem neoliberais. No fundo, acreditam que há uma ordem "natural" na organização econômica da sociedade através de "mercados". Ela pode ser "revelada" pela análise da ação dos agentes em resposta aos incentivos que aqueles lhe proporcionam.
Caberia ao Estado apenas garantir o desimpedido funcionamento dos mercados (propriedade privada) e providenciar o fornecimento de bens públicos (segurança, justiça, valor da moeda etc.) que não podem ser eficientemente produzidos por ele. A combinação (de mercados com Estado) levaria à utilização "ótima" dos fatores de produção e à satisfação máxima dos agentes. E, naturalmente, ao nível "natural" do desemprego. A intervenção do Estado é, portanto, dispensável e, no limite, perturbadora do equilíbrio "natural".
Do outro lado, a fauna é mais interessante e se crê heterodoxa. Inclui toda sorte de contestadores da existência daquela "ordem": keynesianos e marxistas em todos os seus infinitos matizes, neodesenvolvimentistas, ecologistas, politicólogos, historiadores, geógrafos, niilistas, anarquistas e "tutti quanti". Cada um deles com seu próprio diagnóstico dos problemas e, obviamente, com receita infalível para resolvê-los desde que lhes seja dado ilimitado "poder" para implementá-la. Felizmente eles não o têm. Quando o tiveram, produziram os desastres do século 20.
Se, de um lado, é evidente que não existe ordem "natural" no universo econômico, do outro é também evidente que não é possível superar impossibilidades físicas (como distribuir o que não foi produzido) com medidas que pareçam "politicamente corretas". O fracasso do "poder" é sempre justificado pela falta de "mais poder", até atingir o "poder absoluto".
O caminho mais custoso para enfrentar problemas é o de ruptura com o sistema vigente e de entrega a um ente "sobrenatural", portador da santíssima trindade: a onipotência, a onipresença e a onisciência do partido incontestável, como sugerem nas entrelinhas alguns dos nossos contestadores...
Um exemplo da divisão é o respeito sacrossanto do primeiro grupo e o desprezo do segundo pela opinião das agências de "ratings". Nem uma coisa nem outra, mas é inútil ignorá-las, porque o "mercado" não as ignora...
Como insistiu o grande J. K. Galbraith, "a política não é a arte do possível. É a escolha entre o desagradável e o desastre".
Fonte: Folha, 22.01.2014

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