terça-feira, 29 de abril de 2014

Previdência no Brasil é a 2ª menos sustentável entre 50 países, diz estudo


DO "AGORA" - 28/04/2014  12h00


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A Previdência Social será insustentável se não fizer reformas em breve, indica um estudo internacional da seguradora Allianz. Entre as mudanças sugeridas para países nessa situação, uma das mais importantes é aumentar a idade mínima para a concessão dos benefícios.
Entre 50 países analisados, o Brasil aparece na segunda posição no ranking dos sistemas de pagamentos de benefícios previdenciários com o maior risco de quebrar. Isso ocorre por dois principais motivos: os brasileiros se aposentam cedo e o número de contribuintes diminuirá devido ao envelhecimento da população nos próximos 30 anos.
O estudo aponta que os brasileiros se aposentam, em média, com 55 anos. A idade é baixa quando comparada à de habitantes de países que estão no topo da lista dos melhores sistemas, como a Austrália, onde o benefício costuma ser pago a partir dos 65 anos. Só na Turquia e na Tailândia (a pior do ranking) a média é de 55 anos.
Para reverter esse quadro, o governo deverá impor uma idade mínima para a aposentadoria e isso precisará ser feito em dez ou 15 anos, afirma o economista Marcelo Caetano, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
"No resto do mundo, dificilmente o trabalhador se aposenta com menos de 60 anos", diz. Mas há outras mudanças necessárias, como o fim do pagamento de pensões por morte sem a exigência de idade mínima do beneficiário ou a segurados que já têm benefícios da Previdência, diz Caetano. "Esse é um vespeiro onde nenhum político quer mexer, mas não há como fugir."
O Ministério da Previdência Social informou que não comentaria o resultado da pesquisa.
O que dizem os especialistas
  • A Previdência não irá quebrar nos próximos anos
  • Ainda assim, será necessária uma reforma no sistema em um prazo de dez a 15 anos
  • Os futuros aposentados devem se planejar para esperar mais para parar de trabalhar
  • O valor dos benefícios também poderá diminuir
Planejamento
  • Investir em poupança e em títulos do governo são opções seguras para depender menos da aposentadoria
  • Os fundos de pensões abertos (oferecidos pelos bancos) só são interessantes para quem tem salário alto e faz a declaração completa do IR
*
VEJA RANKING DO SISTEMA DE APOSENTADORIA
Estudo classifica, por idades aproximadas, a qualidade do sistemas, considerando a capacidade de manutenção
RankingPaísesIdade média de aposentadoria
Austrália65
Suécia64
Nova Zelândia67
Noruega63
Holanda63
Dinamarca62
Suíça66
Estados Unidos66
Letônia63
10ºReino Unido63
11ºEstônia62
12ºCanadá64
13ºFinlândia62
14ºRússia59
15ºChile67
16ºHong Kong65
17ºLuxemburgo60
18ºLituânia60
19ºCingapura62
20ºMéxico71
21ºRepública Tcheca60
22ºPolônia59
23ºIrlanda64
24ºRomênia64
25ºAlemanha63
26ºMalásia55
27ºÁustria58
28ºCroácia60
29ºCoreia do Sul70
30ºBulgária64
31ºBélgica62
32ºHungria59
33ºTurquia55
34ºPortugal63
35ºEslováquia59
36ºIndonésia58
37ºTaiwan60
38ºFrança60
39ºItália60
40ºEspanha62
41ºChipre63
42ºÁfrica do Sulnão informado
43ºGrécia62
44ºMalta60
45ºChina58
46ºEslovênia60
47ºÍndia58
48ºJapão69
49ºBrasil55
50ºTailândia56
Fontes: Allianz 2014 Pension Sustainability Index e economista Marcelo Caetano, do Ipea 

Bancos derrubam tributos sobre lucros: No 1º trimestre, IRPJ e CSLL caíram 6,5% sobre 2013, em valores corrigidos; maior redução foi do setor financeiro

Receita vai investigar, e Febraban não comenta; arrecadação total cresce 2,1% no período, abaixo das expectativas
GUSTAVO PATUDE BRASÍLIA
Os bancos e outras instituições financeiras foram os maiores responsáveis pela queda da receita dos tributos incidentes sobre os lucros das empresas neste ano, mostram dados da Receita Federal.
As perdas com o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) contribuíram decisivamente para que a arrecadação fechasse o primeiro trimestre com alta abaixo do desejado.
Sem citar setores, a Receita informou que a queda se concentrou em 15 a 20 "grandes contribuintes".
Segundo o órgão, haverá uma investigação de rotina --não um procedimento formal-- sobre as práticas adotadas pelo grupo, que se valeu de abatimentos previstos na legislação para recolher menos tributos.
Divulgados ontem, os números da arrecadação do primeiro trimestre mostram que o setor financeiro explica a maior parte da piora da receita com os dois tributos.
No período, os pagamentos de IRPJ e CSLL somaram R$ 58,1 bilhões, numa queda de 6,5% em relação aos R$ 62,2 bilhões do ano passado, em valores corrigidos.
De longe, a maior redução, de R$ 4,1 bilhões, aconteceu entre as "entidades financeiras", de acordo com o documento da Receita. Em segundo lugar vem o setor de extração de minerais metálicos, com R$ 1 bilhão.
Quando apareceram os primeiros números ruins, o órgão considerou que se tratava de um efeito temporário: em 2013, as empresas preferiram fazer já em janeiro pagamentos programados para o trimestre; neste ano, imaginava-se, os pagamentos cresceriam até março.
Mesmo ainda sem explicação sobre os motivos da queda, a Receita descarta a possibilidade de piora aguda da lucratividade das empresas.
Folha questionou a Febraban (Federação Brasileira de Bancos), mas a entidade disse que não poderia comentar.
ABAIXO DO NECESSÁRIO
Sem a esperada retomada em março, a arrecadação total de tributos somou R$ 296,2 bilhões no trimestre em valores corrigidos pela inflação, alta de 2,1% na comparação com o período correspondente de 2013.
A taxa é compatível com o crescimento modesto da economia esperado para este ano, mas está abaixo das previsões e das necessidades do governo Dilma Rousseff, que conta com um aumento entre 3% e 3,5% até dezembro.
A Receita aponta que os percentuais estão em elevação gradual: em janeiro, a alta foi de 0,9%; em março, de 1,98% entre os principais tributos e de 2,5% no total.
O desempenho insuficiente da arrecadação tributária levou o Tesouro Nacional a extrair no mês passado R$ 3 bilhões em dividendos de suas empresas estatais, segundo dados preliminares.
Como o governo já anunciou, estão em estudo alternativas para elevar a arrecadação. As medidas procuram "corrigir assimetrias", nas palavras do chefe do centro de estudos tributários, Claudemir Rodrigues. Ou seja: atingem operações ou setores atualmente menos tributados que outros. Folha, 29.04.2014.

CLÓVIS ROSSI: Desigualdade caiu? Pura lenda

O livro que é a sensação do momento desmente a propaganda sobre a redução da iniquidade
O best seller do momento na área econômica, "Capital no século 21", do francês Thomas Piketty, se aplicadas suas constatações ao Brasil, desmonta por completo a lenda da queda da desigualdade.
Insisti nesse ponto uma e mil vezes aqui na Folha, mas sou insignificante demais para me opor à propaganda da queda da desigualdade, que uniu os contrários, os economistas liberais e os do PT. Uniu pela conveniência de cada lado.
Para os liberais, se mostrassem que houve queda da desigualdade mesmo com as políticas ortodoxas adotadas por Lula, afastariam o perigo (para eles) de que os petistas de repente se encantassem com suas velhas teses de esquerda, postas em hibernação quando a dupla Antonio Palocci/Henrique Meirelles assumiu o controle da economia.
Para o petismo, dizer que a desigualdade caíra era uma bela propaganda de seu suposto amor pelos mais pobres.
Raros economistas, como Reinaldo Gonçalves (UFRJ), não se deixaram enganar. Escreveu Gonçalves:
"Com raras exceções, essas políticas limitam-se a alterar a distribuição da renda na classe trabalhadora (salários, aposentadorias e benefícios), sem alterações substantivas na distribuição funcional da renda, que inclui, além do salário e das transferências, as rendas do capital (lucro, juro e aluguel)".
É, basicamente, a tese do livro de Piketty, conforme o resumo feito no sábado por Paul Krugman nesta Folha: "Mesmo aqueles que se dispunham a discutir a desigualdade se concentravam, em geral, na disparidade entre os pobres da classe trabalhadora e as pessoas prósperas, mas não mencionavam os verdadeiramente ricos".
"O foco eram os formandos universitários cuja renda superava a de trabalhadores com nível mais baixo de educação, ou a sorte comparativa dos 20% mais prósperos da população ante os 80% menos afortunados, e não a rápida ascensão da renda dos executivos e banqueiros".
"Portanto, foi uma revelação quando Piketty e colegas demonstraram que as rendas do hoje famoso 1%', e de grupos ainda mais estreitos, eram o mais importante na ascensão da desigualdade".
É isso: pode ter caído a desigualdade entre a renda dos salários, mas não entre a renda do capital e a do trabalho, que é a verdadeira obscenidade no Brasil (e, agora, cada vez mais nos EUA e outros países ricos).
Não há medições confiáveis sobre renda do trabalho e do capital, mas há números que permitem desconfiar que, em vez de redução, houve aumento na desigualdade "lato sensu". Basta saber que houve ano em que o governo federal dedicou 5,72% do PIB brasileiro ao pagamento de juros de sua dívida (aos detentores do capital, portanto).
Já o Bolsa Família, o programa de ajuda aos mais pobres, consumiu magro 0,4% do PIB.
Resumo da história: para 13.330.714 famílias então cadastradas no Bolsa Família, ia 0,4% do PIB. Para um número infinitamente menor, mas cujo tamanho exato se desconhece, 13 vezes mais. Folha, 29.04.14

segunda-feira, 28 de abril de 2014

VINICIUS MOTA: Rico ou pobre?


SÃO PAULO - Diz-se do Brasil que é país rico quando cobra impostos, mas pobre na qualidade dos serviços oferecidos pelos governos à população. De cada R$ 100 da renda nacional, o Estado brasileiro arrecada R$ 37. Somos tão "ricos" quanto o Reino Unido nesse quesito.
O Brasil é apenas remediado, no entanto, na forma de cobrar os impostos. Ao taxar renda, lucros e ganhos de capital, obtém R$ 7 de cada centena de reais da renda nacional. Os britânicos arrecadam R$ 13.
Um meio de fazer justiça social é favorecer esse tipo de imposto, porque abate diretamente os ganhos de pessoas e empresas. Tanto melhor se o fisco taxar proporcionalmente mais a quem ganha mais.
Deveríamos ampliar a fatia dos impostos diretos sobre a renda no bolo da arrecadação, além de tornar a sua aplicação mais proporcional aos ganhos. A esquerda acerta no mérito desse debate, embora escorregue com frequência na aritmética e exagere no alcance da medida.
Taxar tanto e taxar bem são objetivos incompatíveis num país tão desigual como o Brasil. A elite é pequena para entregar aos governos R$ 2 trilhões anuais --os PIBs somados de Argentina e Colômbia--, necessários para as despesas públicas.
Recursos nesse volume apenas se conseguem pela taxação, em larga escala e indireta, da maioria mal remediada da população. O vetor redistributivo no Brasil, portanto, repousa bem mais na calibragem do gasto público que na da tributação.
O país tem canalizado parte vultosa desses gastos distributivos para idosos e pensionistas. O Estado despende R$ 12, de cada R$ 100 da renda nacional, com beneficiários da Previdência e dos sistemas de pensão de servidores públicos.
Chegou a hora de repactuar essa divisão em benefício dos mais jovens, por meio do aumento privilegiado da despesa pública na educação. Para tanto, a fatia do gasto previdenciário precisa recuar. vinimota@uol.com.br. Folha, 28.04.2014

quarta-feira, 23 de abril de 2014

FERNANDO CANZIAN: Presidente faixa preta


Goste-se ou não, o capitalismo tem à mão um porrete enorme, capaz de botar de joelhos o mais bem-intencionado governo. Basta ousar sair da linha. Esse mesmo sistema financia campanhas políticas. Desagradar a quem bombeia o dinheiro, sangue desse organismo quase totalitário, tem-se revelado inútil.
Barack Obama e outros "socialistas" (os da zona do euro) que o digam. Juras de enquadrar bancos e banir bônus inacreditáveis de executivos não deram em nada. A conta da crise do fim da década passada é paga pelos massacrados. Quem perdeu emprego, casa e poupança sofre com cortes de serviços públicos. Seus governantes precisam cobrir a dívida pública que tapou o buraco dos bancos e salvou gigantes falidos em 2008.
É a lógica dominante. Pode-se argumentar que a Grande Recessão de seis anos atrás foi engendrada nessa configuração leniente. Por que políticos e governantes não mudaram tudo a partir dela? Ao que parece, não conseguem. Dependem dela. O Brasil de Dilma Rousseff e sua vizinhança tentam subverter essa lógica.
Na Venezuela, as maiores reservas de petróleo do mundo não vêm à tona por falta de investimentos. Nem papel higiênico Caracas tem a oferecer à sua população.
No Brasil, a imposição inicial de baixos retornos em concessões na infraestrutura, a bagunça no setor produtivo com desonerações pontuais, o represamento de tarifas e gastos públicos e a inflação em alta cortaram o crescimento de Dilma à metade do da era Lula.
Pode-se alegar que os donos do dinheiro são uns sacanas, que só investem quando mimados. Qual é a alternativa se o Estado não tem poupança suficiente para nada e deturpa --com política e corrupção-- entes e agências que poderiam minimamente estabilizar as regras?
O fim da era FHC e os anos Lula tiraram 40 milhões de pessoas da miséria porque atenderam às demandas do capital. Programas sociais, empregos, moradia e distribuição de renda custam dinheiro. Quem financiou? Geração espontânea não existe.
Prevaleceu a técnica do judô: uso da força "adversária" em proveito próprio. Não havia banqueiro, empresário ou ex-miserável triste, dizia-se. Deu até para eleger poste.
Com Dilma, isso parou. Amedrontaram o bicho mais medroso do mundo, o dono do dinheiro. O Brasil não cabe mais em seu PIB. O desconforto geral explodiu e os donos da gaita se retraíram. O baixo crescimento e a inflação renitente vêm daí.
Oferecer um tapete vermelho bem regulado a quem pode nos tirar desse sufoco, recepcionado por um presidente faixa preta. Temos um candidato que pode fazer isso?
Folha, 23.04.2014

terça-feira, 22 de abril de 2014

VLADIMIR SAFATLE: Como não pagar IPVA (helicópteros, iates e jatos)


Todos os anos você precisa pagar o IPVA do seu carro. Como o nome diz, trata-se de um Imposto de Propriedade sobre Veículos Automotores. Bem, um veículo automotor é, pasmem vocês, "aquele dotado de motor próprio".
Por exemplo, um carro de boi não pagará IPVA por não ter motor próprio: o motor é o boi, a saber, uma entidade ontologicamente a parte do aparato técnico de motricidade desenvolvido pelo saber humano. A bicicleta não pagará o imposto pela mesma razão, assim como o helicóptero do banqueiro, o jato particular do escroque e o iate do Naji Nahas.
"Assim como o helicóptero, o jato particular e o iate"? Sim. Você poderá procurar todos os meandros do saber jurídico, encontrar explicações surreais, como aquela que afirma que o atual IPVA substituiu a antiga TRU (Taxa Rodoviária Única), logo os veículos automotores que pagarão impostos são apenas aqueles colados no chão.
No entanto, a verdade é uma só: helicópteros, jatos particulares e iates não pagam IPVA porque, no Brasil, os ricos definem as leis que protegerão seus rendimentos e desejos de ostentação. Bem-vindo àquilo que economistas como o francês Thomas Piketty chamam de "capitalismo patrimonial": um capitalismo construído para quem ganha mais continuar a ganhar mais, a não precisar devolver nada para a sociedade, enquanto quem ganha menos é continuamente espoliado e recebe cada vez menos serviços do Estado.
Se os 20 mil jatos particulares e os 2.000 helicópteros que voam livremente no Brasil pagassem IPVA, teríamos algo em torno de mais R$ 8 bilhões. Esse valor é o equivalente a, por exemplo, dois orçamentos da USP. Ou seja, se aqueles que têm mais capacidade de contribuição simplesmente pagassem para ter seu singelo helicóptero o mesmo que você paga para ter seu carro, poderíamos financiar mais duas universidades com 90 mil alunos estudando gratuitamente.
Esse é apenas um dentro vários exemplos de como o Brasil se organizou para ser um país onde ser rico é um ótimo negócio. Um país que, só em 2014, deverá ter mais 17 mil milionários e nenhum deles pagando aquilo que você paga. Porque, aqui, quanto mais você sobe (de preferência de jato ou helicóptero), mais você é protegido. Isso pode parecer uma explicação primária, mas muitas vezes o óbvio é o que há de mais difícil a enxergar.
Como disse, não um esquerdista de centro acadêmico, mas o megainvestidor norte-americano Warren Buffett: "Quem disse que não há luta de classe? Claro que há, e nós estamos vencendo". Folha, 22.04.2014

Thomas Piketty: a não ser que ajamos, a desigualdade global vai piorar

A não ser que ajamos, a desigualdade em nível global vai se tornar muito pior, vindo eventualmente a tornar as nossas instituições uma piada.


Jacob S. Hacker e Paul Pierson
Divulgação

Nos anos 1990, dois jovens economistas franceses, então ligados ao Massachusetts Institute of Technology (MIT), Thomas Piketty e Emmanuel Saez, começaram o primeiro esforço rigoroso para reunir dados sobre desigualdade nos países desenvolvimentos, ao longo de décadas. No estouro da crise, em 2007, questões fundamentais de economia que até então vinham sendo ignoradas chamaram a atenção. A pesquisa de Piketty e de Saez estava pronta, com dados que mostravam que as elites nos países desenvolvidos tinham, nos últimos anos, enriquecido muito mais do que a população em geral e do que a maioria dos economistas haviam suspeitado. Ao longo da década passada, de acordo com Piketty e Saez, a desigualdade tinha retornado a níveis próximos daqueles do início do século XX.

 No último outono, Piketty publicou sua obra magna, O Capital no Século XXI, na França. O livro busca modelar a história, as tendências recentes, e volta ao futuro do capitalismo no século XIX.The American Prospect perguntou a especialistas e acadêmicos que estudam a desigualdade para analisarem o argumento de Piketty e o impacto potencial dele sobre as políticas dos Estados Unidos.

Jacob S. Hacker, diretor do Institution for Social and Policy Studies e Stanley B. Resor, professor de Ciência Política na Universidade Yale, Paul Pierson, o Professor de Ciência Política da cadeira John Gross, na Universidade da Califórnia, em Berkeley, são os co-autores, mais recentemente, do “Winner-Take-All Politics: How Washignton Made the Rich Richer and Turned Its Back on the Middle Class” [algo como: “O vencedor sempre ganha, na Política: como Washington tornou os ricos mais ricos e deu as costas para a classe média”]. Heather Boushey é diretora executiva e economista chefe no Washington Center for Equitable Growth. Branko Milanovic é professor visitante no Graduate Center, da Universidade da Cidade de Nova York, um pesquisador sênior do Luxembourg Income Study Center, e o autor de The Haves and the Have-Nots: A Brief and Idiosyncratic History of Global Inequality [algo como: Os que têm e os que não têm: uma breve e idiossincrática história da desigualdade global].
Um Tocqueville para hoje

Jacob S. Hacker e Paul Pierson
Quando Alexis de Tocqueville visitou a América no começo dos anos 1830, o aspecto da nova república que mais o entusiasmou foi a sua notável igualdade social. “A América, então, exibia no seu estado social um extraordinário fenômeno”, disse Tocqueville, maravilhado. “Lá os homens parecem ter muito mais igualdade no que respeita às condições materiais e intelectuais... do que em qualquer outro país do mundo, ou em qualquer outra época de que se tenha memória”.

Para Tocqueville, que ignorava quase completamente a exceção sombria do Sul, o progresso americano em direção a uma maior igualdade era inevitável, a expansão de seu espírito democrático, imbatível. A Europa, acreditava ele, em breve seguiria a liderança da América. Ele estava certo – de certa forma. A democracia ascendia, mas a desigualdade, também. Somente com a Grande Depressão do Século XX, com duas terríveis guerras e com a criação de um estado moderno de Bem Estar Social a concentração de riqueza nas democracias ricas começou a se dissipar e os frutos do rápido crescimento começaram a implicar ganhos generosos para os trabalhadores comuns.
Agora, um outro francês, com uma visão panorâmica – e evidências muito mais precisas – quer nos fazer pensar de nova maneira a respeito do progresso da igualdade e da democracia. Embora herdeiro da tradição analítica da história, de Tocqueville, Thomas Piketty tem uma mensagem que não poderia ser mais diferente: a não ser que ajamos, a desigualdade vai se tornar muito pior, vindo eventualmente a tornar as nossas instituições uma piada. Com a riqueza cada vez mais concentrada, os países competindo para concederem mais isenção fiscal ao capital e à herança vindoura, para rivalizar com o empreendendorismo, como fonte de ricos, uma nova elite patrimonial pode se provar tão inevitável como Tocqueville certa feita acreditou a igualdade democrática era.
Essa previsão está baseada, não na especulação, mas em fatos reunidos através de pesquisa prodigiosa. Os números espantosos de Piketty mostram que a distribuição da renda nacional oriunda do capital – que já se acreditou ser estável – está em ascensão. A riqueza privada alcançou novas altas relativas à renda nacional e está se aproximando de níveis de concentração que não se tinha desde antes de 1929.

O movimento intelectual poderoso de Piketty consiste em situar o tema da desigualdade econômica da América num contexto histórico mais amplo e transnacional. As forças responsáveis por nosso igualitarismo passado, lembra-nos Piketty, foram o rápido crescimento – tanto o populacional, como da economia como um todo. A França nunca teve o primeiro, que é a razão por que o país teve uma verdadeira classe “rentista” de proprietários aristocratas no começo do Século XX, quando os EUA ainda era uma terra de pequenos proprietários e de novos ricos. Ainda assim, o crescimento econômico segue como o grande fator: quando a economia se expande modestamente, ano a ano, o retorno em capital excede geralmente o crescimento da renda do trabalho, e as fortunas dos já ricos cresce, ao passo que o resto da sociedade decresce.
Desde o ressurgimento da desigualdade de renda, observadores preocupados vêm se concedendo conforto com a noção de que os donos da riqueza – ainda mais desigualmente distribuída que a renda – não estão se formando tão rapidamente com a renda ela mesma. Se olharmos para frente, no entanto, essa noção reconfortante parece suspeita. Algumas das maiores fortunas constituídas na nova era de ouro financiará a filantropia ou a frivolidade. A maior parte, no entanto, será afunilada de volta, em investimentos de capital ou repassada para herdeiros.
 
Piketty observa que os retornos desses investimentos são invariavelmente maiores para aqueles com maior riqueza – o efeito Matthew (*) é uma outra força de aumento da concentração. Enquanto isso, as heranças estão voltando como uma fonte maior de vantagem para os já avantajados. Enquanto a desigualdade de renda desce até uma pirâmide demográfica que se estreita, podemos esperar que as heranças se tornem uma fonte crescentemente importante de herança de privilégios.
Piketty é acertadamente pessimista quanto a uma resposta imediata. A influência da riqueza na política democrática e em como pensamos a respeito de mérito e recompensas oferece obstáculos formidáveis. Fortalecer a competição internacional para os ricos e os seus dólares leva Piketty a acreditar que, sem um contra-movimento sério, a taxação de capital tenderá a zero. A desigualdade está se tornando um problema tão  “terrível” como a mudança climática – em que a solução deve não apenas superar poderosos interesses entrincheirados em países individuais, como ser global, para ser efetiva.
No entanto, é a taxação do capital e, em última análise, a taxação de capital global, que Piketty vê como solução eventual. Taxar apenas o consumo e a renda do trabalho viola a noção de que indivíduos deveriam financiar a riqueza comum com base em sua capacidade de pagar. Uma taxa global de capital – modesta, progressiva, baseada na transparência – poderia reforçar o conflito entre capacidade econômica e contribuição individual para atividades coletivas. Mais ainda, processo hesitante nessa direção já vem ganhando espaço, na medida em que países ricos visam a – sem grande sucesso, até agora – acabar com os paraísos fiscais e com a engenharia financeira das corporações que cada vez mais tornam a taxação voluntária para os super ricos. Porque a riqueza está ainda tão concentrada nas nações de industrialização avançada, acordos que abarquem cidadãos e transações no interior da Europa e da América do Norte ainda terão um longo caminho pela frente, até que essas atividades sejam trazidas às claras. Uma taxa modesta sobre as grandes fortunas também pode encorajar usos mais produtivos de capital, taxando gradualmente grande patrimônio com pouco retorno.
Piketty sugere que pressões por mudanças eventualmente provar-se-ão convincentes. Ou os capitalistas mais ricos vão se desagregar na competição pela diminuição dos custos, ou o resto da sociedade vai se levantar e impor um quadro mais justo. Para um livro que insiste no primado da política, no entanto, Piketty tem relativamente pouco a dizer a respeito de como – com as organizações ligadas ao mundo do trabalho enfraquecidas, com os interesses da finança fortalecidos, e com as forças anti-governo incentivadas – o tipo de movimento político necessário para a emergência de um futuro mais justo. (Foi afinal a guerra, não o sufrágio universal, que em última análise subjugou a desigualdade no século XX). Ainda assim, talvez com esse livro magistral, as realidades problemáticas que Piketty desenterra tornar-se-ão mais visíveis e as racionalizações do privilégio que as sustentam se tornem menos dominantes. Assim como Tocqueville, Piketty nos deu uma imagem de nós mesmos. Desta feita, uma a que deveríamos resistir, não dar boas vindas
(*) Efeito Mathew: “diz respeito ao fato de que a contribuição de certos cientistas é valorizada mais do que o devido. Este termo foi criado por Robert Merton para descrever como cientistas eminentes quase sempre levam mais crédito que um pesquisador desconhecido, mesmo se o trabalho for similar. Exemplo: John von Neumann é considerado o pai do computador, mas sua contribuição é residual.
Um corolário é o Efeito Matilda que afirma que o trabalho de uma mulher em ciência quase sempre é ignorado”. In: http://www.contabilidade-financeira.com/2008/08/efeito-matthew-e-matilda-em-cincias.html (N.deT).
Tradução: Louise Antônia León 
(*) Publicado originalmente na The American Prospect
Fonte: http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Thomas-Piketty-a-nao-ser-que-ajamos-a-desigualdade-global-vai-piorar/4/30502