quarta-feira, 16 de julho de 2014

Pode, Arnaldo?

ALEXANDRE SCHWARTSMAN

Sugestão de intervenção do governo no futebol mostra como falta reflexão sobre as consequências das 'soluções'

Comecei a contribuir para a Folha em setembro de 2006, são quase oito anos escrevendo sobre economia, mas, confesso, gostaria mesmo é de ser colunista de futebol. O vexame da seleção --ou, melhor, a reação ao vexame-- acabou, porém, permitindo de alguma forma atender aos meus anseios, casando os dois assuntos.
Para quem não viu, a resposta inicial da presidente ao fiasco foi sugerir maior intervenção governamental no esporte, inclusive por meio de mecanismos para impedir a saída de jogadores com menos de 19 anos do país. Já seu ministro do Esporte chegou a aventar a possibilidade de "intervenção indireta" na organização das competições e na gestão dos clubes.
Já os que, como eu, acompanham a gestão desastrosa da economia não podem deixar de associar esse tipo de reação ao observado nos últimos anos: para cada problema que aparece, o governo se vê na obrigação de tomar alguma medida pontual a respeito, o que, tipicamente, não apenas não resolve a questão, como costuma, de lambuja, gerar novas dificuldades a serem devidamente atacadas por novas medidas pontuais, perpetuando indefinidamente o ciclo de incompetência.
Os empresários reclamam dos preços de energia? Em vez de identificar as causas últimas e pensar em reformas que possam aumentar a competitividade, o governo baixa as tarifas a canetadas, gerando uma crise no setor.
A inflação está elevada? Em hipótese alguma se considera a possibilidade de alteração nas políticas monetária e fiscal de forma a ajustá-las a um cenário de inflação mais baixa.
É preferível segurar os preços dos combustíveis, colocando a Petrobras na situação de endividamento que hoje se encontra; a única empresa de petróleo do mundo que anseia pela queda dos preços internacionais de seus produtos.
Não é por acaso, portanto, que o país se encontra no estado atual. Não há um exercício de reflexão sobre a natureza das questões, muito menos das consequências das "soluções" propostas.
A imagem recorrente é a do menino do conto holandês, tapando um furo do dique a cada momento, até que não lhe sobram mais dedos para tanto buraco.
Falta, não só para a economia, mas também para o futebol, um diagnóstico preciso das causas do problema.
Contraste a ideia de proibição da saída de jogadores com a hipótese levantada neste espaço pelo meu amigo Samuel Pessôa, a saber, que a Lei Pelé teria reduzido os incentivos à formação de jogadores, já que os clubes que investem nas categorias de base não teriam como evitar o aliciamento de futuros craques, gerando em consequência uma queda na qualidade dos jogadores.
Francamente, não sei se o Samuel está certo, mas, correto ou não, trata-se de hipótese que merece investigação mais cuidadosa.
Busca identificar mecanismos que afetam os incentivos dos agentes envolvidos no processo, tanto clubes quanto jogadores (assim como os indefectíveis "empresários").
Caso se prove correta, traz em si uma sugestão de política que alteraria as instituições (ou regras) sob as quais funciona a atividade futebolística, presumivelmente no sentido de aumentar o retorno dos que investem no desenvolvimento de jogadores, como, aliás, foi feito na Alemanha com enorme sucesso.
É bom que se diga que futebol não é uma questão de vida ou morte (é muito mais do que isto, claro), mas no domínio econômico este tipo de abordagem consegue ter repercussões ainda mais negativas.
A incapacidade de formular um diagnóstico sistêmico acerca das dificuldades do país se encontra por trás do padrão errático de política econômica que predomina no Brasil de 2009 para cá, inépcia que explica muito do fraco desempenho recente do país.
Neste contexto é impossível não se lembrar da frase precisa de Dave Barry: "Quando problemas surgem e as coisas parecem ruins, há sempre alguém que descobre uma solução e está disposto a assumir o comando. Frequentemente trata-se de um maluco". Pode, Arnaldo? Folha, 16.07.2014.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

INDÚSTRIA NEGATIVA

Setor manufatureiro recua pela terceira vez seguida e aumenta lista de sinais de que a economia brasileira está na direção errada
Apesar de todos os pacotes de estímulo do governo federal, reafirmam-se, a cada novo indicador divulgado, as previsões de que este será um ano bastante ruim para a economia brasileira --mais um. A bola da vez é o setor industrial, cuja produção teve, em maio, o terceiro recuo consecutivo.
A queda foi de 0,6% na comparação com abril, com destaque negativo para os bens de consumo duráveis e áreas ligadas a investimentos. Estima-se que, ao final deste 2014, a indústria terá encolhido pelo menos 2%, fruto, entre outros motivos, do crescente desalento percebido entre empresários e consumidores.
A situação é particularmente adversa no ramo automotivo, que registrou no primeiro semestre o pior volume de vendas desde 2010. Parte desse quadro se deve, sem dúvida, à interrupção de negócios alheios à Copa do Mundo, mas a expectativa para o restante do ano também é desanimadora.
Os estoques permanecem excessivos, no maior patamar desde 2008. Até o fim de maio havia 400 mil veículos nos pátios, o equivalente a 40 dias de vendas.
As montadoras reagem generalizando férias coletivas para um maior número de fábricas. Desde o início do ano, cortaram-se 4.700 postos de trabalho --ou quase o dobro, se contar os fornecedores.
Aparecem evidências das dificuldades da indústria também nas vendas de bens manufaturados para o exterior. Os produtos básicos responderam, no primeiro semestre, por 50,8% do total de exportações, a maior fatia desde 1980.
Embora seja cômodo atribuir o resultado à situação desfavorável da economia mundial, a verdade é bem menos conveniente: trata-se da incapacidade da indústria brasileira de participar de forma ativa da competição global. Hoje resta apenas a defesa do mercado interno, estratégia reforçada pelas ações protecionistas do governo Dilma Rousseff (PT).
Ocorre que esse caminho se mostrará um beco sem saída. No mundo das grandes cadeias de valor, criadas e geridas pelas principais empresas globais, não há competitividade possível se não houver integração e especialização.
A prostração da indústria não se resolverá com o crescimento da demanda mundial. Quando isso ocorrer, não haverá exportadores para aproveitar a oportunidade. E a procura interna, mesmo que vigorosa, será cada vez mais atendida pelas importações.
As políticas industrial e de vendas internacionais precisam ser repensadas com vistas a reconectar o Brasil ao comércio mundial. O governo atual, entretanto, insiste na direção oposta --e os resultados mostram como tem sido um erro. Folha, 03.07.2014.