terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Pensamento brasileiro - Os brasileiros e o Estado

VLADIMIR SAFATLE
No último domingo, o Instituto Datafolha publicou uma pesquisa a respeito do posicionamento ideológico dos brasileiros. Essa não foi a primeira vez que pesquisas dessa natureza foram feitas pelo instituto, mas foi a primeira vez que questões econômicas ligadas à função do Estado, às leis trabalhistas e à importância de financiar serviços públicos apareceram. O resultado foi simplesmente surpreendente.
Se você ler os cadernos de economia dos jornais e ouvir comentaristas econômicos na televisão e no rádio, encontrará necessariamente o mesmo mantra: os impostos brasileiros são insuportavelmente altos, as leis trabalhistas apenas encarecem os custos e, quanto mais o Estado se afastar da regulação da economia, melhor. Durante décadas foi praticamente só isso o que ouvimos dos ditos "analistas" econômicos deste país. 
No entanto décadas de discurso único no campo econômico foram incapazes de fazer 47% dos brasileiros deixarem de acreditar que uma boa sociedade é aquela na qual o Estado tem condição de oferecer o máximo de serviços e benefícios públicos.
Da mesma forma, 54% associam leis trabalhistas mais à defesa dos trabalhadores do que aos empecilhos para as empresas crescerem, e 70% acham que o Estado deveria ser o principal responsável pelo crescimento do Brasil.
Agora, a pergunta que não quer calar é a seguinte: por que tais pessoas praticamente não têm voz na imprensa econômica deste país? Por que elas são tão sub-representadas na dita esfera pública?
A pesquisa ainda demonstra que, do ponto de vista dos costumes, os eleitores brasileiros não se diferenciam muito de um perfil conservador. O que deixa claro como suas escolhas eleitorais são eminentemente marcadas por posições ideológicas no campo econômico. Uma razão a mais para que tais posições possam ter maior visibilidade e estar em pé de igualdade com as posições econômicas liberais hegemônicas na imprensa brasileira.
É claro que haverá os que virão com a velha explicação ressentida: o país ama o Estado devido à "herança patrimonialista ibérica" e à falta de empreendedorismo congênita de seu povo. Essa é a velha forma de travestir egoísmo social ressentido e preconceituoso com roupas de bricolagem histórica.
Na verdade, o povo brasileiro sabe muito bem a importância da solidariedade social construída por meio da fiscalidade e da tributação dos mais ricos, assim como é cônscio da importância do fortalecimento da capacidade de intervenção do Estado e da defesa do bem comum. Só quem não sabe disso são nossos analistas econômicos, com suas consultorias milionárias pagas pelo sistema financeiro.

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

Manufaturados - Antônio Delfim Netto


O crescimento econômico é condição necessária, mas não suficiente, para um desenvolvimento social civilizatório em que a distribuição dos seus benefícios produz uma inserção crescente da população.
Ele é condicionado por fatores internos e externos. Internamente, depende de um Estado forte, constitucionalmente controlado, com instituições capazes de assegurar a dotação adequada de bens públicos (como a segurança e o valor da moeda) e garantir as condições para o adequado e eficiente funcionamento dos mercados e sua regulação. Externamente --porque todo país é parte do mundo--, ele depende do poder de compra da exportação com a qual paga a importação. Esta última é um indispensável "fator de produção", da mesma forma que o trabalho, o capital e os recursos naturais, pela qual se apropriam, ainda, os avanços tecnológicos.
O "poder de compra" das exportações pode ser medido pela evolução da relação entre o preço médio das exportações dividido pelo preço médio das importações, à qual se dá o nome de relação de troca. A intuição física é simples: se no ano passado, uma tonelada de exportação "comprava" uma tonelada de importação e neste ano (por efeito dos preços de nossas exportações terem crescido mais do que o das importações) ela "compra" 1,1 tonelada, tudo se passa como se o país tivesse ganho de presente, 100 quilos de importação.
Visto por outro ângulo, tudo se passa como se a nossa produtividade no setor exportador tivesse crescido 10%. Os resultados dos estudos econométricos são sempre ambíguos, mas eles frequentemente confirmam que as variações nas relações de troca têm influência nas flutuações cíclicas da economia e talvez "expliquem" entre 25% e 40% das variações do PIB.
No caso do Brasil, o comportamento da relação de troca (que está relativamente estabilizada depois de ter passado por um máximo em 2010) deve ter tido alguma influência na recente queda do crescimento do PIB. Mais importante, entretanto, foi a destruição da demanda externa do setor de produtos manufaturados.
Esta foi gerada não apenas pela redução da renda dos países importadores mas, principalmente, pela dramática valorização do câmbio real produzida pelo laxismo salarial combinado com a valorização do câmbio nominal para controlar a inflação que derivava da própria política econômica.
Para se ter uma pálida ideia do que isso representou, basta dizer que o superavit exportador de 139 bilhões de dólares entre 2002/07 foi substituído pelo deficit de 136 bilhões em 2008/13. Uma fantástica redução da demanda externa dos nossos manufaturados de 275 bilhões de dólares! Por que um industrial iria investir nessas condições?
Fonte: Folha, 04.12.14

Governo no Labirinto - Índices

Queda da Petrobras é mais uma evidência de que gestão Dilma não tem estratégia adequada para a economia, que não sai da letargia
A queda de 10% no preço das ações da Petrobras na segunda-feira foi resultado direto do que já era intuído nas últimas semanas. A empresa permanece refém de uma política econômica inepta e eleitoreira, que acumula número cada vez maior de reveses.
Havia, entre investidores, a esperança de que o governo anunciasse uma nova política de preços para combustíveis capaz de dar algum respiro à Petrobras, há anos sufocada pelo populismo tarifário.
O aumento de 4% para a gasolina e de 8% para o diesel, destinado a reforçar o caixa da estatal, provocou decepção generalizada. Não só por ser uma correção insuficiente para eliminar a defasagem em relação aos preços internacionais, mas também por parecer feita na medida para a inflação neste ano ficar abaixo dos 5,84% registrados em 2012.
Foi mal recebida, ainda, a decisão do governo de manter secreta a fórmula de reajuste de preços --o que até permite especular sobre sua existência--, cuja função seria justamente dar mais previsibilidade ao fluxo de caixa da Petrobras.
São sinais eloquentes de que a estatal continuará uma marionete nas mãos do governo, queimando preciosos recursos que deveriam ser direcionados ao investimento.
Em si ruim, a novela dos combustíveis é apenas mais uma evidência de que o governo está preso em seu labirinto, acuado e incapaz de formular uma estratégia adequada para a gestão da economia.
A inflação permanece alta, os juros sobem, o dólar ameaça aumentar com mais intensidade, os resultados das contas públicas pioram e é cada vez mais claro que a economia crescerá pouco em 2014.
A retração de 0,5% no PIB do terceiro trimestre, em relação aos três meses anteriores, quase descarta uma expansão de 2,5% no ano --desempenho que já seria pífio. Para 2014, analistas começam a projetar resultado abaixo de 2%.
É particularmente preocupante que o PIB tenha encolhido sobretudo por causa dos investimentos, que caíram 2,2% no trimestre. Com isso, o acumulado do ano, positivo, apenas recuperará o tombo de 4% observado em 2012. Na prática, a taxa de investimento do Brasil permanece em parcos 18,6% do PIB, muito abaixo dos 25% da média dos emergentes e compatíveis com um crescimento de 4% ao ano.
Há, sem dúvida, um dado positivo: o desemprego de 5,2% é o menor da história. Este é o único --e fundamental-- indicador que destoa no quadro geral de dificuldades. Não se sabe até quando, pois renda, crédito e consumo crescem menos que no passado.
Talvez por aí se explique, com a ajuda das eleições, a resistência do governo a adotar grandes medidas saneadoras da economia. À luz da rapidez com que os problemas se acumulam, a teimosia pode custar muito caro ao país.
EDITORIAIS
Fonte: Folha, 04.12.13.